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Contas públicas, cadê o drama?

Há muito exagero no que se diz sobre risco fiscal

Contas públicas, cadê o drama?
Contas públicas, cadê o drama?
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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Pergunte, leitor, a economistas ligados ao mercado qual o principal problema macroeconômico brasileiro. Nove em dez responderão, acredito, que é o “risco fiscal”, isto é, a situação problemática, alguns dirão calamitosa, das contas públicas.

Tem cabimento? Bem, há alguma verdade nisso. As dificuldades fiscais são inegáveis. Mas será a questão das contas públicas realmente o principal problema? Cabe falar em situação calamitosa?

Acabam de ser divulgados os dados das contas governamentais para o ano de 2021. Vale a pena examiná-los e confrontá-los com a retórica que domina as avaliações da mídia e dos economistas do mercado financeiro.

Primeiro ponto que chama atenção: o resultado primário do setor público no seu conjunto (três esferas de governo mais estatais) apresentou notável melhora em 2021. Em 2020, ano inicial da pandemia, o déficit primário atingiu a marca de 9,41% do PIB, número excepcionalmente elevado, que refletiu as medidas relacionadas à pandemia e a recessão que atingiu a economia brasileira naquele ano. Em 2021, porém, o setor público registrou superávit primário de 0,75% do PIB, uma melhora de mais de 10 pontos porcentuais do PIB em apenas um ano. Nada mal para quem está em situação “dramática” ou “calamitosa”. O resultado reflete, evidentemente, a diminuição dos gastos com a pandemia. Houve, além disso, medidas de contenção nem sempre sustentáveis e positivas (compressão exagerada do investimento público, por exemplo). E a melhora das contas primárias reflete, também, o efeito da recuperação do nível da atividade sobre a arrecadação, que cresceu de maneira acentuada em termos reais.

A despesa líquida de juros do setor público subiu de 4,18% do PIB em 2020 para 5,17% em 2021. O déficit total (déficit primário mais despesa de juros) caiu, assim, de 13,59% do PIB em 2020 para 4,42% do PIB em 2021. Note-se que a despesa de juros e, portanto, o déficit total, calculados em termos nominais, incluem um componente inflacionário ou de correção monetária. Esse componente foi significativo em um ano como 2021, que registrou inflação acima de 10% medida pelo IPCA. Assim, um déficit total de 4,42% do PIB não deve ser considerado muito preocupante.

Outra forma de chegar a essa conclusão é observar a trajetória da dívida pública como porcentagem do PIB. Em termos líquidos, isto é, deduzidos os ativos do setor público, a dívida caiu de 62,5% do PIB em dezembro de 2020 para 57,3% do PIB em dezembro de 2021.

Os economistas do mercado financeiro preferem focar na dívida bruta, sem levar em conta os ativos (principalmente as reservas internacionais) de que dispõe o setor público. Não é o mais correto, no meu entender. De qualquer maneira, a evolução desse indicador também foi favorável. A dívida bruta do governo geral (governo federal, INSS, governos estaduais e municipais) caiu de 88,6% do PIB em dezembro de 2020 para 80,3% em dezembro de 2021. Recorde-se que houve quem projetasse a dívida bruta subindo para 100% do PIB.

Onde está o drama então? Talvez nas expectativas para o ano eleitoral de 2022? Teme-se, com certa razão, que o governo Bolsonaro promova grande estrago nas contas públicas em sua luta desesperada pela reeleição. Pode ser que aconteça. Note-se, entretanto, que as projeções do mercado, coletadas semanalmente pelo Banco Central, ainda não apostam nesse cenário. A mediana das projeções indica um déficit primário de 1% do PIB para o setor público consolidado em 2022. O déficit nominal sobe para 8,2% do PIB, em razão da alta das taxas de juro promovida pelo Banco Central. Projeta-se que a dívida líquida suba para 62,4% do PIB, voltando ao nível de 2020. Evolução desfavorável, mas que não chega a ser alarmante.

A verdade é que há muito exagero no que se afirma sobre risco fiscal. Não se pode descuidar das contas públicas, claro. Mas nada sugere que o governo que começará em 2023, possivelmente um novo governo Lula, tenha de fazer um ajustamento fiscal dramático. Ao contrário, com a economia estagnada ou em recessão, o mais razoável é que o novo governo promova alguma expansão fiscal para colocar a economia em movimento.

Na realidade, leitor, o principal problema macroeconômico não está nas contas públicas, mas na fraqueza da atividade econômica. Com a economia atrofiada, não há como diminuir o elevado desemprego, o subemprego e a pobreza. Colocar a economia em movimento, por meio da política fiscal, contribuirá para aumentar as oportunidades de trabalho e induzirá o aumento da arrecadação, facilitando o controle das contas públicas. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1194 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Contas públicas, cadê o drama?”

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