Economia

Condução da economia como um banco de negócios travou o Brasil

Política econômica autodestrutiva é denunciada por economistas e entidades que apresentam medidas para aumentar investimento e emprego 

Paulo Guedes e Jair Bolsonaro
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O governo comemorou o crescimento do PIB de pífios 0,4% no segundo trimestre e ameaça jogar o País no sexto ano de estagnação ao definir um orçamento para 2020 que aprofunda o arrocho iniciado com o ajuste fiscal. Isso acontece porque o Brasil não está sendo administrado como um país, mas como um banco de negócios e reconhecer isso é importante para entender porque o governo mostra-se sem condições de resolver o problema principal da economia, que é recuperá-la da recessão de 2015 e 2016, analisa o economista Antônio Correa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo.

Segundo Lacerda, “há quem diga que ‘o governo Bolsonaro é ruim, mas a equipe econômica é de primeira qualidade’. Eles são competentes? Mas como? Vamos considerar o caso do ministro da Economia Paulo Guedes. É um ‘chicagueano’ que aprendeu lá nos anos 1970, mas hoje nem a Universidade de Chicago defende mais aquilo. Como não evoluiu academicamente, ele fica repetindo o que aprendeu naquela época.  Há muito tempo Guedes deixou de ser economista, virou um banqueiro de negócios. Tanto que a visão dele no governo é de banco de negócios, de fazer transações e vender estatais.”

“No governo Temer e com Bolsonaro ou, para ser mais justo, voltando um pouco atrás, nas gestões dos ministros da Economia Joaquim Levy, Henrique Meirelles e Paulo Guedes, com uma ou outra mudança a história é a seguinte: vamos entregar o ajuste fiscal, resgatar a confiança e com isso a economia reage. Basicamente, esse é o discurso deles.” O resultado, acrescente-se, é que o País está no quinto ano consecutivo de aplicação da mesma política sem crescimento econômico nem mesmo razoável, enorme desemprego e desestruturação socioeconômica crescente.

Dos primeiros a alertar que a recuperação seria muito lenta, Lacerda explica como chegou a essa conclusão no início do período recessivo de crescimento negativo do PIB de -3,8%, em 2015 e de -3,6% em 2016: “Em primeiro lugar, porque o ajuste fiscal que vem desde Levy é, por ele mesmo, autofágico, aprofunda a crise. Segundo, porque achar que o ajuste fiscal trará recuperação é acreditar na fada da confiança, como observou o economista Paul Krugman quando da crise da Europa. Terceiro, porque com essa fé inabalável que eles têm no mercado subestimam o papel do investimento e do financiamento público. Mas como é que a economia poderia reagir desde então se os principais vetores, do lado da demanda e do lado da oferta, o investimento privado e o investimento público e os consumidores, com o desemprego, não estavam reagindo? Sem vetores que puxem a demanda, não há crescimento”, chama atenção o economista.

Em consequência das concepções equivocadas da equipe econômica, o problema central não é resolvido. “Quais são as grandes questões? São uma ação em cima da questão do emprego, a retomada do investimento público, o resgate do papel fundamental dos bancos de desenvolvimento e dos bancos públicos, a dinamização do crédito privado. O governo tem uma posição curiosa, ele se coloca como se isso não fosse tema dele, mas é. Quem é que regula o mercado de crédito e a política monetária? É o Banco Central, certo? Mas então o BC teria de tomar medidas e não tomam porque é uma questão de economia política. Eles preferem estar do lado de quem está no poder. O poder econômico é dado pelo setor financeiro, particularmente pelos bancos. Como isso fere o interesse dos bancos, então ninguém põe a mão”, aponta o economista. “Sem falar nas políticas de competitividade – industrial, comercial, de ciência, tecnologia e inovação – que nisso Guedes e companhia não acreditam mesmo, acham que não tem que ter. Mas que seriam fundamentais para empurrar a indústria num sentido amplo para a retomada.”

Em um cenário em que a classe média está com seus orçamentos muito apertados, o que explica parte da crise dos grandes centros com fechamento de grande número de de restaurantes, bares, lojas, pequenas empresas por falta de movimento, é crucial acompanhar de perto ao menos dois indicadores, o desemprego e o crédito. “O desemprego é muito importante, pela questão social e econômica. Um desempregado a mais é um consumidor a menos. E a questão do crédito também. Emprego e crédito são demanda. Em relação ao crédito, o governo está tirando os bancos públicos do mercado e não coloca nada no lugar. Isso é dramático”, sublinha Lacerda.

O governo diz que o dinheiro acabou e ameaça ampliar a paralisia de serviços e atividades. ”Desde o final do primeiro governo de Dilma Rousseff o investimento público vem diminuindo e hoje encontra-se num nível reduzidíssimo, insuficiente para cobrir a depreciação dos ativos fixos, por exemplo de infraestrutura física. Contribuiu para isso a mudança na orientação de política, que passou a ser mais restritiva na área fiscal. Primeiro com o ministro da Fazenda Joaquim Levy no  segundo governo de Dilma Rousseff, depois com Henrique Meirelles e Temer e atualmente com Paulo Guedes e Bolsonaro. Portanto, desde o final do primeiro governo Dilma o investimento público caiu muito. Depois, com a emenda constitucional do teto dos gastos, o governo encontra-se numa camisa de força”, analisa o economista Paulo Morceiro, pesquisador do Núcleo de Economia Regional e Urbana da USP e da Fipe, da mesma universidade.

A partir de 2015, ressalta, a economia que desde a década de 1980 crescia pouco e de modo descontínuo, como um voo de galinha, passou a apresentar “voos de pintinho”. “Acredito que a queda do investimento público é o componente principal para explicar nosso “voo de pintinho”. No Brasil, tradicionalmente, o investimento público puxou o privado. Por isso, é importante que ele seja retomado para tirar o País do fundo do poço em que se encontra”, chama atenção o economista.

Temer e Meirelles

A política de aumento da demanda e do investimento público recomendada pelos economistas heterodoxos ao governo “é algo conhecido na literatura mundial e praticado em grandes crises como a de 1929 e a de 2009”, destaca Morceiro. O governo, diz, não tem mais a margem de manobra que tinha antes do teto de  gastos, mas ainda conta com espaço. “O País é imenso, tem vários instrumentos de política, empresas nacionais, bancos de desenvolvimento regional e nacional. O ideal é flexibilizar a lei do teto dos gastos para aumentar os investimentos públicos. Economia não é como orçamento familiar, o governo pode se endividar, emitir dívida. E dívidas emitidas em períodos de crise como essa são muito mais compensadoras porque se deixar a situação se agravar o desemprego vai aumentar, mais pais de famílias vão perder seus empregos, deixarão de pagar dívidas e mais adiante, se isso se aprofundar, será necessário assumir dívidas muito maiores. Com algumas medidas pontuais, ainda é possível fazer a economia ao menos respirar”, propõe Morceiro.

O economista compilou propostas suas e de colegas de profissão para desbloquear a economia, com foco em infraestrutura, construção e saneamento: 1) permitir a compra do segundo imóvel com recursos do FGTS ; 2) usar recursos não recorrentes de leilões e privatizações para retomar as obras paradas; 3) utilizar 15% das reservas internacionais em infraestrutura; 4) negociar com o Congresso recursos para investimento em infraestrutura; 5) zerar o IPI de material de construção; 6) juro real zero para financiamento imobiliário; 7) fortalecer o BNDES e focalizá-lo ainda mais em infraestrutura; 8) acelerar autorizações ambientais; 9) renegociar as dívidas das famílias no atacado; 10) clareza no marco regulatório e hedge cambial de longo prazo; 11) flexibilizar o teto de gastos para investimento público.

Levy e Dilma

Entre as propostas para atacar a paralisia econômica destacam-se o Plano Emergencial de Emprego e Renda elaborado neste ano por economistas do Partido dos Trabalhadores e a Agenda de Propostas para a Infraestrutura 2018 da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).

O plano do PT inclui nove diretrizes com o objetivo de criar 7 milhões de empregos em curto e médio prazo: 1) contratar, através do Programa Empregos Já, 3 milhões de pessoas para trabalhos temporários de zeladoria e recuperação urbana como limpeza, poda de árvores, manutenção de ruas e calçadas; 2) retomar as 7,4 mil obras paradas no País; 3) reativar o programa Minha Casa, Minha Vida, reduzido em 75% pelo governo e voltar a construir 500 mil unidades em média por ano; 4) voltar a aumentar o salário mínimo anualmente, acima da inflação, em benefício de mais de 48 milhões de trabalhadores; 5) expandir o Bolsa Família; 6) renegociar, com ajuda dos bancos públicos, as dívidas das famílias a juros baixos e limpar o nome dos devedores na praça.; 7) usar o petróleo do pré-sal em benefício do povo brasileiro tornando o preço dos combustíveis mais barato e estável. “Sua exportação, refino e comercialização vão estimular a indústria, gerando mais emprego e renda.”; 8) destravar o BNDES para que ele volte a investir na indústria local aumentando a produção, gerando ainda mais empregos e fazendo a economia girar de novo; 9) voltar a corrigir a tabela do Imposto de Renda pela inflação beneficiando milhões de famílias que vão reverter esse ganho em consumo e movimentação da economia.

A agenda da Abdib inclui propostas “que impactam e causam efeitos em praticamente todos os setores de infraestrutura” abrangendo segurança jurídica, planejamento de longo prazo, governança de agências reguladoras, modelo de financiamento e garantias, gestão socioambiental na infraestrutura, regras de contratação pública, procedimentos para desapropriações por utilidade pública, arcabouço legal para elaboração de estudos e projetos de infraestrutura e modelo de concessões. Um segundo grupo de propostas volta-se para os sub-setores da infraestrutura, cada um deles com regulação e desafios específicos.

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