Economia

Câmara aprova projeto prioritário de Haddad, que retoma impostos a empresas

A chamada MP das subvenções pode render 35 bilhões de reais ao caixa do governo federal

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória 1.185/2023, um dos projetos prioritários do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e que pode render 35 bilhões de reais ao caixa do governo federal.

Foram 335 votos favoráveis, 56 contrários e uma abstenção. Agora, a proposta segue para o Senado.

A Medida Provisória é uma espécie de lei que entra em vigor assim que é publicada, mas tem curto prazo de validade e precisa de aprovação do Congresso para ser permanente.

O projeto mexe nas isenções fiscais relacionadas ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Essas mudanças afetam empresas beneficiadas por subvenções do ICMS.

O texto está alinhado com a estratégia de Haddad para alcançar a meta de déficit zero no próximo ano. Este objetivo, se alcançado, representaria o equilíbrio total entre as receitas e os gastos com despesas pelo governo.

Em 2023, o déficit estimado é de 203 bilhões de reais. Para zerar esse valor no ano que vem, o governo propôs projetos que aumentam a arrecadação de impostos.

O projeto das subvenções envolve incentivos financeiros dados às empresas via ICMS, sob a justificativa de estimular a modernização de suas atividades.

Esses benefícios são cedidos pelos estados aos empresários como forma de atrair negócios. Na prática, as empresas deixam de pagar o ICMS ao vender determinados produtos.

Desde os anos 70, as economias que as empresas faziam com as subvenções do ICMS não eram consideradas lucro. Por isso, elas não eram tributadas pelo Imposto de Renda ou pela CSLL, que são impostos recolhidos pelo governo federal.

Para evitar a cobrança de impostos federais sobre esses valores, as empresas precisavam reinvestir essas economias no desenvolvimento de seus negócios. São as conhecidas subvenções para investimento.

Se, ao invés disso, essas economias fossem usadas para cobrir custos operacionais do dia a dia, e não em investimentos, as empresas teriam que pagar impostos federais. Isso aconteceria porque esses valores passariam a ser vistos como lucro.

Porém, em 2017, houve uma virada de jogo. O Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar 160, que passou a enquadrar qualquer tipo de subvenção do ICMS como subvenção para investimento.

Essa alteração significou que as empresas poderiam usar as economias do ICMS para despesas cotidianas sem se preocupar com impostos federais, independentemente de serem investimentos ou não.

O governo busca mudar as regras do jogo fiscal. A ideia é que as empresas passem a pagar impostos federais se utilizarem as economias provenientes das subvenções do ICMS para cobrir suas despesas operacionais. Em outras palavras, a isenção fiscal só se aplicaria se essas economias fossem destinadas a investimentos, como:

  • implantação de empreendimento;
  • ampliação da capacidade;
  • modernização ou diversificação do comércio ou da produção de bens ou serviços.

O governo argumenta que, desde a lei de 2017, houve uma perda anual de 80 bilhões de reais em impostos com o fim da arrecadação dos impostos federais sobre as beneficiárias das subvenções do ICMS.

De acordo com o parecer do deputado federal Luiz Fernando Faria (PSD-MG), relator da matéria no Congresso, as empresas beneficiárias da subvenção do ICMS terão de pagar impostos federais sobre as economias que realizarem a partir do incentivo estadual, ainda que sejam destinadas a investimentos.

Essas empresas serão tributadas por meio do IRPJ, do CSLL e do Pis/Cofins, siglas para Programa de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social.

A diferença agora é que, se quiserem obter o incentivo financeiro para fazer investimentos, essas empresas terão de apresentar comprovações à Receita Federal para obter a habilitação ao benefício. Caso a empresa seja autorizada, ela será ressarcida em 25% do IRPJ após 24 meses.

‘Descontão’ para acalmar empresários

O projeto incomoda a iniciativa privada por acusações de que eleva os impostos sobre os empreendedores. Além disso, governadores temem que as novas regras provoquem fuga de negócios de seus estados, devido ao aumento dos custos tributários.

A principal polêmica recai sobre a cobrança dos impostos que estão em disputa na Justiça. O governo reivindica um total de 90 bilhões de reais em impostos atualmente sob litígio judicial, e busca, através deste projeto, recuperar parte desse valor.

O Ministério da Fazenda se apoia em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça. Neste ano, a Corte autorizou o governo a cobrar impostos federais se, por meio de procedimentos fiscalizatórios, se comprove que os valores provenientes de benefícios fiscais não foram usados para assegurar a viabilidade do empreendimento econômico, mas sim para outros fins.

No entanto, o entendimento do STJ causa divergências. Enquanto Haddad comemora a possibilidade de cobrança se observado desvio de finalidade, advogados de empresários argumentam que o entendimento do STJ não diz isso, por entender que “garantia da viabilidade do empreendimento” não significa, diretamente, a obrigação de reverter os valores das subvenções em investimentos de fato.

Assim, ao mesmo tempo em que o Ministério da Fazenda diz ter o direito de cobrar 90 bilhões em impostos, as empresas alegam não ter o dever de pagar nenhum valor, sob o argumento de que a lei de 2017 generalizou as subvenções para investimentos, e que o STJ não deu o devido respaldo ao governo.

A proposta do projeto é chegar a um acordo, segundo o qual as empresas pagariam os impostos que o governo entende que elas devem à Receita, mas com um desconto de 80%, em 12 parcelas.

Segundo essas regras, a adesão a essa “transação especial” implica a renúncia ao direito em que se funda o conflito judicial e obriga o encerramento do litígio.

Caso o empresário não queira pagar os impostos conforme essas normas, o governo voltará a cobrar o valor originário. Na prática, ambas as partes continuarão em disputa na Justiça.

Frustração com os Juros sobre o Capital Próprio

O projeto também traz uma proposta do governo de alterar a regulação dos Juros sobre o Capital Próprio, mas a ideia inicial foi desidratada e gera menos arrecadação para o poder público.

Os JCP são um tipo de lucro distribuído aos acionistas de uma empresa.

Nessa modalidade, as empresas não pagam imposto sobre esses valores, porque esses juros são considerados despesas. São os investidores remunerados que pagam 15% via Imposto de Renda Retido na Fonte.

Para as empresas, portanto, os JCP têm vantagens em relação aos dividendos, que são outra forma de distribuir lucros. Na alternativa dos dividendos, as empresas pagam impostos.

Haddad queria arrecadar mais 10 bilhões de reais com mudanças nesse cenário. A ideia era dar fim à possibilidade de uma empresa não pagar impostos ao distribuir lucros via JCP.

No entanto, a ideia sofreu resistências no Congresso. O relatório foi divulgado apenas com a descrição de algumas restrições para o cálculo do JCP, mas com a manutenção do benefício fiscal às empresas.

Para parlamentares envolvidos nas negociações, o resultado final terá efeitos tímidos em relação à proposta original. A jornalistas, Haddad declarou que tomará medidas administrativas para compensar a perda.

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