Economia

Brasileiros gastam quase um terço da renda familiar para pagar dívidas, maior percentual da série histórica do BC

Endividamento alto e inadimplência vão frear crescimento da economia nos próximos meses, dizem especialistas

Parte da renda das famílias cobre dívidas
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Dados divulgados ontem pelo Banco Central (BC) sobre a tomada de crédito no país mostram que a taxa de inadimplência está subindo, enquanto a fatia da renda que famílias brasileiras destinam ao pagamento de dívidas bateu em 28,7%, o patamar mais alto desde 2005, início da série. Os indicadores em alta dificultam o crescimento da economia, por reduzir a capacidade de consumo das famílias.

Não à toa, a equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vem trabalhando num programa de renegociação de dívidas, o Desenrola Brasil. O projeto ainda é incipiente, mas a ideia é focar nas famílias mais pobres — podendo ser voltado a quem ganha até três salários mínimos — e incluir, além de contas de água, luz e outros serviços, redes de varejo e bancos.

Este ano deverá ser o segundo seguido em que a maior fatia da segunda parcela do 13º salário, paga em dezembro, será usada para a quitação de dívidas, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC). Até 2020, a principal parcela desses recursos ia para o consumo.

No médio e longo prazos, o desafio vai aumentar com a previsão de desaceleração da atividade econômica — a projeção é de próxima de 0,7% —e taxa de juros nas alturas (13,75% ao ano), ainda que o mercado de trabalho dê sinais de retomada.

— Com alta taxa de juros e nível de comprometimento da renda, famílias têm de destinar percentual maior de seus recursos ao pagamento de dívidas — destaca Fabio Bentes, economista-chefe da CNC.

Para impulsionar o consumo, diz ele, é preciso agregar três vertentes: mercado de trabalho, inflação e crédito. Os dois primeiros vêm melhorando, mas o crédito, não. A segunda parcela do 13º deve somar quase R$ 113 bilhões em dezembro, mas 37,8% serão usados para pagar dívidas.

Consumo de bens ficará com 32,9%. Para a contratação de serviços vão 17,3%, e 12% serão destinados a poupança ou gastos posteriores.

— São R$ 42,7 bilhões para pagamentos de dívidas e R$ 37,2 bilhões para consumo de bens no comércio. Teremos um fim de ano morno, com alta de 2,1% em vendas no Natal, mas sobre bases muito fracas.

A inadimplência no crédito livre — que não considera recursos direcionados ou subsidiados, como financiamento habitacional — ficou em 4,2%, maior patamar desde agosto de 2018. Esse indicador considera os atrasos nos pagamentos superiores a 90 dias. Para pessoas físicas, essa taxa de inadimplência foi de 5,9%, a maior desde maio de 2017.

As famílias brasileiras comprometem 28,7% de sua renda com o pagamento de dívidas, parcela bem mais alta que no mês anterior — o maior patamar da série do BC, iniciada em 2005. No ano passado, estava em 25,4%. Mesmo retirando dessa conta o crédito habitacional, financiamento de longo prazo e, portanto, mais saudável, a parcela de comprometimento é de 26,6%, também a maior da série histórica.

Mais Consignado

O endividamento das famílias chegou a 49,9% em setembro, estável na comparação com agosto, mas bem acima dos 47,5% de um ano atrás. Michael Burt, especialista da LCA, sublinha ainda a deterioração do quadro qualitativo de crédito das famílias:

— Cresce o uso do crédito rotativo, que tem risco maior de inadimplência. Já estimamos que a inadimplência fique em 6,1% este ano e passe a 6,5% em 2023 no crédito livre, e com viés de alta. Porque estamos contratando menos consumo e mais inadimplência para adiante.

A taxa de juros no rotativo do cartão chegou a 400%, a maior taxa desde 2017.

O consignado para beneficiários do Auxílio Brasil fez a concessão de empréstimos pessoais no setor privado dar um salto em outubro. Bateu em R$ 6,7 bilhões, contra R$ 1,57 bilhão no mês anterior.

— Em setembro, as concessões foram de R$ 1,6 bilhão. Em outubro, houve R$ 5,2 bilhões a mais. Esse desempenho veio pela incorporação de crédito para beneficiários do Auxílio Brasil — diz Fernando Rocha, chefe do Departamento de Estatísticas do BC.

A taxa de juros cobrada nessa modalidade também foi impactada. Ela alcançou 45,6% ao ano em outubro, também a maior da série histórica.

— O consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, uma ajuda do governo, é uma operação de qualidade muito duvidosa. E essas pessoas já vão pagar parcelas de R$ 130, R$ 150 a partir de 2023. — diz Livio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre. — A discussão fiscal não contrapõe inclusão social e responsabilidade fiscal. Isso não existe. Mas espaço de manobra em orçamento está muito curto. E há escolhas que o governo e a sociedade terão de fazer, eleger prioridades.

A equipe de transição do novo governo quer envolver os bancos públicos na concessão de crédito e a criar um fundo garantidor que começaria com pelo menos R$ 7 bilhões, para ajudar os endividados no programa Desenrola Brasil. Também será preciso aguardar a definição do novo ministro da Fazenda, que vai direcionar com os bancos públicos o processo de renegociação de dívidas.

Pela proposta em análise, pessoas com dívidas de até R$ 5 mil teriam abatimento de até 90% do valor devido. O restante seria pago à vista, mas para isso, os devedores tomariam empréstimos nos bancos públicos, com prazo de pagamento de até 36 meses, com seis meses de carência e juros em torno de 10% ao ano.

— Toda renegociação tem benefício, sobretudo para o endividado. Mas é mais pontual, não tem efeito estrutural, é para apagar incêndio. É importante focar em reduzir a taxa de juros porque isso traz incentivo para as empresas contratarem, ganho de renda, aquece o mercado de trabalho, permite às famílias honrarem dívidas e consumirem — afirma Burt, da LCA.

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