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Baratear combustíveis é justo, mas soluções discutidas no Congresso Nacional são equivocadas

As propostas que estão na mesa são importantes para combater a crise imediata, mas não oferecem soluções estruturais mais ousadas

Baratear combustíveis é justo, mas soluções discutidas no Congresso Nacional são equivocadas
Baratear combustíveis é justo, mas soluções discutidas no Congresso Nacional são equivocadas
Vale-gás. A iniciativa é menos onerosa aos cofres públicos, mas o Ministério da Economia não parece disposto a custeá-la - Imagem: Prefeitura de Monção/GOVMA
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O Congresso Nacional debate medidas para baratear o preço dos combustíveis. O debate é pertinente e oportuno, pois a população brasileira, especialmente a empobrecida, sofre com os expressivos aumentos dos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, que corroem seu poder de compra. Em um contexto de forte crise econômica, com elevadas taxas de desemprego, subemprego e informalidade, o GLP aumentou mais de 40% em 2021, e os preços da gasolina e do diesel também se elevaram nessas proporções. A situação deve piorar em decorrência da guerra na Ucrânia. Não há, portanto, qualquer dúvida quanto à necessidade de atuar nessa agenda. Mas qual caminho seguir?

Existem várias opções e cada uma delas provoca impactos distintos na população e no meio ambiente. Entendemos que as medidas mais efetivas são aquelas que asseguram soluções de longo prazo, especialmente as que caminham para a diminuição do uso dos combustíveis fósseis, considerando que estes são uma das principais causas do aquecimento global. Infelizmente, o debate atualmente travado no Congresso vai na direção oposta. Dentre as propostas em pauta no Legislativo, a que ganha mais adeptos refere-se à diminuição de impostos que incidem sobre combustíveis. Vários países adotaram essa medida e seu principal benefício consiste na facilidade e celeridade de sua implementação.

No Brasil, a PEC dos Combustíveis e o PLP 11/2020 tratam da redução de tributos nas esferas federal e ­estadual, respectivamente. As isenções fiscais não são, porém, soluções adequadas para reduzir os preços ao consumidor. O setor de óleo e gás já se beneficia de enormes isenções fiscais, enquanto o gasto do consumidor só sobe. Os subsídios teoricamente destinados a baratear o preço dos combustíveis na bomba, ou seja, os subsídios ao consumo, eram em 2020 da ordem de 52 bilhões de reais, segundo o estudo ­Conhecer, Avaliar e Renovar: ­Subsídio aos Combustíveis Fósseis no Brasil, publicado pelo Inesc. Esse valor corresponde a mais de 20 vezes o orçamento de todo o Ministério do Meio Ambiente para 2021, de apenas 2,5 bilhões reais. Outra prova de que não se trata de uma medida eficiente é que as vultosas isenções fiscais diminuem as receitas de importantes políticas públicas. Esse é o caso do ­­PIS/­Cofins, uma das principais fontes da Previdência Social, frequentemente criticada por ser deficitária.

Uma abordagem alternativa em discussão, mais estrutural, é a que prevê a criação de uma Conta de Estabilização de Preços, como proposto pelo PL 1472/2021. Isso porque, no caso brasileiro, a origem do aumento dos preços nos últimos anos e, principalmente, a partir de 2021, reflete a adoção, em 2016, do Preço de Paridade de Importação (PPI), segundo o qual incorporam-se as cotações do mercado internacional na formação dos preços dos derivados de petróleo. A Conta de Estabilização contribuiria para diminuir a volatilidade dos preços, pois entraria em ação quando o valor dos combustíveis estivesse acima ou abaixo de limites estabelecidos pelo governo. Essa estratégia, aliada à desvalorização do real em relação ao dólar, vem resultando, de um lado, na inflação dos combustíveis e, de outro, na geração de lucros recordes para a Petrobras e outras petrolíferas que atuam no Brasil, e no pagamento de altos dividendos para seus acionistas.

Em 2020, o setor de óleo e gás recebeu 52 bilhões de reais em subsídios, 20 vezes mais que o orçamento do Meio Ambiente

Essa proposta é interessante porque não resulta no desfinanciamento de políticas públicas, mas há dois problemas a serem enfrentados. Em primeiro lugar, os limites a serem estabelecidos são desconhecidos e podem não ser suficientes para conter a inflação dos preços dos combustíveis. Segundo ponto: não está explícito como esse fundo seria financiado. Inicialmente, foi sugerido aumentar a taxação de impostos sobre exportações de petróleo cru, isto é, repartir a conta com os principais beneficiários do aumento de preços, as petroleiras. O poderoso lobby do setor de óleo e gás derrubou, porém, essa ideia. Atualmente, circula uma nova proposta no Congresso, a de usar os lucros extraordinários da União com a Petrobras, mas isso perpetua a lógica que pune o Estado e beneficia o setor privado. É muito mais fácil politicamente diminuir impostos do que enfurecer especuladores e investidores nacionais e internacionais.

Há ainda uma proposta, contida no PLP 11/2020, de distribuição de um vale-gás para famílias empobrecidas. Tal medida é popular ­internacionalmente e considerada mais responsável fiscalmente, pois é menos onerosa para os cofres públicos por ser mais focalizada, normalmente sendo implementada juntamente com a redução de impostos. A medida é válida para diminuir as despesas da população, mas o Ministério da Economia já sinalizou que não está disposto a emitir créditos extraordinários para financiá-la, o que significa que, dado o Teto de Gastos estourado para este ano, não existem recursos para viabilizá-la.

As propostas que estão na mesa são importantes para combater a crise imediata, mas não oferecem soluções estruturais mais ousadas para a política energética brasileira, na perspectiva da justiça social, ambiental e climática. Nesse sentido, urge retomar o debate sobre o papel da Petrobras como empresa que atua na defesa do interesse público. É também urgente reduzir a nossa dependência em petróleo e derivados. Enquanto os preços dos combustíveis fósseis são muito voláteis, os das energias renováveis caem ano após ano, devido ao avanço tecnológico e aos novos investimentos. Ademais, os combustíveis fósseis contribuem sobremaneira para o aquecimento global, que, por seu turno, provoca eventos climáticos extremos, como enchentes ou secas, que castigam especialmente as pessoas empobrecidas. A expansão dos investimentos em petróleo e gás pode determinar um futuro mais sujo para a nossa matriz energética. •


*Alessandra Cardoso e Livi Gerbase são assessoras políticas do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Nathalie Beghin é coordenadora da assessoria política do Inesc.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1199 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Quem paga a conta?”

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