Economia

As lições deixadas pela derrocada das criptomoedas

Sobra espaço para especular sobre a próxima ‘grande jogada’ para enriquecer rápido. Falta análise realista dos riscos

As criptomoedas, como bitcoin e ethereum, são emitidas por entidades privadas e não são conversíveis, o que as torna muito instáveis. Foto: iStock
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Num cenário de contração econômica global, inflação subindo e juros sistematicamente mais altos, é cada vez mais difícil investir de forma segura. Por outro lado, esse conjunto de fatores reforça ainda mais a necessidade de poupar e investir com prudência para, no mínimo, preservar o poder de compra no médio e longo prazos.

Para muitas pessoas, especialmente com a chegada da pandemia, o caminho para fazer isso foi o das criptomoedas, que trazem consigo a promessa de revolucionar o mercado financeiro e a vida como a conhecemos. Entretanto, nos últimos dias, ativos como Bitcoin e Ethereum sofreram quedas muito significativas, em linha com o resto dos mercados financeiros tradicionais.

Um caso emblemático dessa derrocada é do par de criptomoedas Terra e Luna, com a segunda perdendo mais de 98% do valor em alguns dias, passando de cerca de 60 dólares em 9 de maio para cerca de dois centavos de dólar na manhã desta quinta-feira 12. A moeda Terra, que deveria ter paridade com o dólar através de um algoritmo de queima e emissão de moedas, está sendo negociada a 62 centavos.

Embora o incidente não chegue a ser uma surpresa para quem tem uma visão mais crítica das criptomoedas, essas perdas têm um impacto muito concreto na vida de pessoas comuns. Em uma comunidade aberta para investidores/as do projeto no Reddit, diversos usuários que perderam tudo com a quebra relataram ideações suicidas. A moderação do fórum, inclusive, fixou uma postagem com números de linhas de apoio e prevenção.

O caso Luna/Terra está longe de ser pequeno – até poucos dias atrás, antes da quebra, ambas figuravam entre as dez maiores capitalizações de mercado do planeta. Isto é, era um projeto de proporções bilionárias, não algo que estava restrito a meia dúzia de entusiastas. Isso vale também para Bitcoin e Ethereum, que juntas, no momento, somam um valor de mercado de em torno de 760 bilhões de dólares ou 3,9 trilhões de reais.

Tudo isso mostra o tamanho do mercado de criptomoedas, mas também o risco enorme que se assume ao alocar seu dinheiro nesse tipo de produto. Infelizmente, esses riscos dificilmente são discutidos de forma concreta, ao passo que sobra espaço para especular sobre a próxima “grande jogada” para enriquecer de forma rápida. Quem perde, obviamente, são investidores e investidoras que terminam sem um tostão.

Como consultor, sempre lembro as pessoas que investir tem pouco a ver com retornos, mas tudo a ver com os riscos. Daí a importância de se ter em mente que, ao entrar num mercado que não tem regulação e é eivado de fraudes, quebras e golpes, as chances de perda total são muito maiores do que de um retorno interessante. É o caso das criptomoedas.

Vale lembrar que o Bitcoin, principal criptomoeda da atualidade, surgiu em 2009 e o Ethereum, seu principal concorrente, foi lançado em 2013. Isso contabiliza um total de meros 13 anos para o primeiro e nove anos para o segundo, isso porque estamos descartando as dezenas de milhares de criptomoedas que não sobreviveram. Como não são ativos produtivos, mas largamente especulativos, sobram questionamentos sobre sua utilidade real e sua capacidade de geração de retorno no médio ou longo prazo.

Do ponto de vista das finanças modernas, não há razão para acatar o risco altíssimo de perda total do capital investido em criptomoedas. Historicamente, e estatisticamente, sabemos que ativos individuais incorporam de forma quase instantânea as informações relevantes sobre rendimentos futuros, de modo que as oscilações que restam são basicamente imprevisíveis e inúteis para prever retornos futuros.

Cientes desse enorme problema é que tanto cientistas quanto profissionais da área de finanças pessoais recomendam ter uma carteira de investimentos globalmente diversificada. Dessa forma, assume-se o risco total do mercado de renda fixa e/ou variável, que é o risco que tende a ser premiado por ser inescapável. Em outras palavras, assumimos apenas o risco que é premiado porque é inescapável, sem termos que assumir o risco de uma empresa, país ou setor específico porque “achamos” que ele dará mais ou menos certo no futuro. Investir é necessário, mas com responsabilidade

O cenário econômico brasileiro, na atualidade, é desastroso. Investir, nessa medida, é uma questão de sobrevivência, mesmo que seja para minimizar o impacto da inflação sobre nosso patrimônio. Contudo, existe uma forma correta e responsável de fazer isso: levando a sério os estudos científicos, estatísticos e profissionais. Há estudos unânimes em afirmar que o melhor caminho é buscar o máximo possível de diversificação, de acordo com sua tolerância ao risco de variações positivas e negativas no retorno.

Diga-se de passagem, uma carteira como essa incluirá o setor de criptomoedas através de ações de empresas desse setor. Caso ele efetivamente se mostre revolucionário, essas empresas irão crescer e ocupar mais espaço no portfólio de renda variável global, como ocorreu com todas as principais empresas negociadas em bolsa ao longo dos últimos 100 anos. Logo, você não só estará investindo nas inovações atuais, como também nas que virão no futuro.

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