Economia

Ações desabam e commodities disparam com a invasão à Ucrânia

As perspectivas são de aumento das pressões inflacionárias e, consequentemente, das taxas de juros, com a subsequente redução da atividade econômica em nível mundial

Foto: Valter Campanato/ABr
Apoie Siga-nos no

De Tóquio a Nova York, as bolsas do mundo caíram como dominós diante do ataque da Rússia à Ucrânia. Por outro lado,  a ofensiva também impulsionou os preços das commodities em geral, e dos ativos considerados refúgio em cenários de estresse, como o dólar, o ouro e os títulos públicos. As perspectivas são de aumento das pressões inflacionárias e, consequentemente, das taxas de juros, com a subsequente redução da atividade econômica em nível mundial. E ainda há a incerteza sobre a posição da China nesse xadrez, pois se entende a iniciativa russa como um estímulo às pretensões territoriais chinesas no Pacífico, notadamente sobre Taiwan. 

A Bolsa de Tóquio caiu 1,81%, Hong Kong fechou com baixa de 3,2%. Frankfurt caiu 5%, Paris fechou com 4% negativos e Londres baixou 3,3%. Nos EUA, a Bolsa de Nova York abriu e operava em baixa de 2,32%, enquanto o índice Standard & Poor’s 500 estava em queda de 1,84% e a Nasdaq abria em 2,2% negativos. O Índice Bovespa abriu em baixa e por volta do meio-dia estava com queda de 2,06%, aos 109.197 pontos. O dólar, que vinha caindo consistente há várias semanas e ontem fechou a 5,05 reais, a menor cotação em sete meses, subia 2,%, para 5,14 reais.

Os contratos futuros de Depósito Interfinanceiro (DI – o custo do dinheiro nas operações entre bancos) operavam em alta, com a percepção de maiores riscos inflacionários no radar dos agentes. A taxa do contrato futuro de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 passava de 12,37% no pregão de ontem anterior para 12,425%; a taxa do DI janeiro de 2024 subia de 11,84% para 11,975%, perto da máxima de 11,995%; e a do DI janeiro de 2025 avançava de 11,27% para 11,435%, após pico de estresse a 11,46%.

Os preços das commodities, que já vinham subindo devido à tensão, dispararam para os níveis máximos de vários anos, refletindo o temor de redução ou até interrupção dos fluxos de exportação de petróleo, gás, grãos e metais russos para o Ocidente.  Os preços do petróleo subiram acima de 100 dólares por barril pela primeira vez desde 2014, os preços do gás no Reino Unido e na Holanda subiram 30%-40%, e os futuros do trigo em Chicago saltaram para uma máxima de 9 anos e meio.

A Rússia fornece 10% do petróleo global, um terço do gás da Europa e, junto com a Ucrânia, responde por 29% das exportações globais de trigo, 80% dos embarques de óleo de girassol e 19% das exportações de milho, segundo a agência Reuters. Os contratos futuros de milho em Chicago também bateram o limite diário de negociação de 35 centavos de dólar por bushel, a 7,1625 dólares por bushel, ao nível mais alto desde junho de 2021.

Para o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, essa escalada dos preços das commodities em geral, mas notadamente do petróleo, deverá impactar diretamente na inflação dos brasileiros, já que transportes (leia-se combustíveis) e alimentos são os dois itens de maior na composição do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador que baliza a política monetária do Banco Central (BC). “Podemos ter um problema de médio prazo de continuidade de inflação de transportes que recentemente vinha com a possibilidade de um alívio, mas agora fica um pouco mais distante, ou seja, esse é um dos cernes da inflação brasileira, junto com alimentos, e se a pressão nesses dois itens se mantiver será muito complicado para a nossa economia”, diz.  Francis Wagner, CEO do App Renda Fixa, reforça: “Esse efeito pode pressionar a inflação no Brasil, fazendo com que os planos do Copom (Comitê de Política Monetária) de dar início a um movimento de queda nas taxas de juros programado para começar ainda esse ano sejam postergados”, avalia o especialista em renda fixa. 

Como tudo tem um outro lado, alguns analistas ressalvam que a escalada das commodities pode trazer algum benefício à bolsa, na medida em que o Brasil é um grande produtor e exportador de commodities. “A bolsa brasileira tem sido um hedge (uma proteção) internacional em termos de inflação, como mostra a busca por ativos brasileiros”, lembra Vieira, sem deixar de alertar que num cenário de incerteza e aversão a risco tudo são “possibilidades a serem testadas”. É o que também alerta Mauro Morelli, estrategista chefe da Davos Investimentos: “Aquele benefício inicial de realocação de portfólios mundial para o Brasil pode até continuar por mais algum tempo, mas não vejo que seja sustentável dado o grande aumento de aversão a risco que se vê neste momento. De qualquer maneira, a ideia de aproveitar o preço do dólar e os preços da bolsa para aumentar as posições compradas em dólar para os clientes e hedge continua valendo mais do que nunca, neste cenário”, pondera.

Nesse sentido, o estrategista-chefe da casa de análises Levante, Rafael Bevilacqua, aponta o “inédito alinhamento” da China com a Rússia, apoiando as pretensões territoriais desta à Ucrânia, e a o reconhecimento por Moscou das pretensões territoriais chinesas sobre Taiwan. “Isso acrescenta mais um elemento de incerteza a uma situação global já absurdamente atípica. Enquanto as atenções dos países do Ocidente estão voltadas para a Rússia, não se pode descartar a hipótese de China resolver desengavetar alguns de seus projetos estratégicos que envolvem Taiwan”, escreveu Bevilacqua em boletim aos clientes da Levante, chamando atenção para o fato de que China e Taiwan, são os principais fornecedores globais de semicondutores, cuja oferta poderia ser comprometida no caso de uma escalada na tensão no Pacífico, “com repercussões igualmente danosas”  para a economia mundial, além das commodities.

Bruno Komura, da Ouro Preto Investimentos, entende que a alta do dólar em razão da busca por refúgio contra o risco pode afetar o real, mas talvez não tanto quanto outras moedas emergentes dada a atração da bolsa brasileira como hedge para a alta das commodities e para títulos de dívida em razão do diferencial entre as baixas taxas de juros dos países desenvolvidos e as altas taxas de juros pagas no Brasil. Aliás, as pressões inflacionárias derivadas do encarecimento das commodities poderão fazer com que o Banco Central mantenha a taxa básica de juros a Selic no patamar máximo de 12% a 12,75% previsto para até o final deste ano por mais tempo do que se imaginava antes.

 

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo