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A verdade restituída

Com base em números oficiais, livro rebate as mentiras sobre a atuação do PT na economia

Foto: Secretaria da Habitação/GOVSP e Agência Petrobras
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No mundo paralelo das fake news bolsonaristas, nenhuma vertente parece contar com tanto respaldo acadêmico e da mídia quanto a economia. Isso vale para a maior das inverdades sobre esse assunto, disseminada desde antes da campanha eleitoral, a de que o Partido dos Trabalhadores quebrou o Brasil. Esse é o tema do livro Crescer e Distribuir É Possível. Confrontando as Críticas à Política Econômica dos Governos Petistas, lançado no mês passado pela Fundação Perseu ­Abramo. Escrito pelos economistas Eduardo ­Fagnani e Guilherme Mello, professores da Unicamp, e Gerson Gomes, do Centro de Altos Estudos do Brasil para o Século 21, a publicação, disponível gratuitamente no site da FPA, busca mostrar em 125 páginas, com uso de números oficiais, que as principais críticas em relação à condução da economia sob o comando petista não correspondem aos fatos.

O livro justifica-se, segundo os autores, porque a narrativa mentirosa sobre o suposto desencaminhamento da economia pelo PT cumpriu papel importante no processo de criminalização da esquerda e do partido, bem como no processo que resultou no golpe contra Dilma Rousseff e no afastamento de Lula das eleições de 2018. As fake news econômicas foram um instrumento eficaz para a criação do sentimento antipetista e na restauração do neoliberalismo no Brasil, salientam os economistas.

“O legado econômico dos governos do PT é altamente positivo. Houve mais acertos, e acertos mais relevantes, do que erros, inevitáveis em 13 anos de governo. Eventuais desacertos de dosagem e no desenho das políticas públicas não ofuscam os avanços”, sublinha Fagnani. Os limites da política econômica do PT, acrescenta, “não são aqueles apontados pela narrativa que justificou o golpe parlamentar”.

Para o economista, não se compreende a conjuntura difícil de 2015 sem retroceder a 2013, quando teve início uma “tempestade de conspirações” que resultaram no golpe parlamentar em um cenário econômico externo desfavorável. A complexidade desse processo, sublinha Fagnani, passou ao largo da compreensão dos críticos. Para eles, convinha apelar para o debate puramente ideológico, por meio de críticas ao nacional-desenvolvimentismo, ao estatismo, ao intervencionismo e ao populismo.

Um texto publicado em junho pelo economista Samuel Pessôa é exemplar das críticas recorrentes à ação dos governos do PT na economia. “As ideias econômicas erradas do PT”, escreveu Pessôa na Folha de S.Paulo, “levadas à frente no ambiente externo desafiador que se afigura para os próximos anos, poderão levar a economia brasileira para um desastre completo, ao estilo da Argentina ou da Venezuela.”

As fake news econômicas serviram para a restauração do neoliberalismo no brasil

“Trata-se de análise simplória e ideo­lógica que não se apoia em fatos, amplamente revelados pelo livro”, contesta Fagnani. “Em que momento o Brasil correu o risco de se transformar em uma Venezuela? Quando tinha 16 bilhões de dólares em reservas internacionais, como ocorreu em 2002, ou quando passou a ter 356 bilhões, em 2015?”, indaga o professor da Unicamp. “Será que esse risco surgiu em 2002, quando a dívida líquida representava 60,4% do PIB? Ou em 2015, quando perfazia 37,8% do PIB? Ou ainda em 2020, quando alcançou 67% do PIB?”

Entre 1995 e 2002, ressalta o professor, a dívida externa bruta brasileira dobrou, passando de 20,7% para 41,8% do PIB. Em 2002, o Brasil era devedor do FMI, as reservas cambiais eram reduzidas, a dívida externa bruta era elevada e o País tinha ­dificuldade de honrar seus compromissos em moeda estrangeira. O livro mostra também que a fake news liberal de que uma suposta “gastança” seria responsável pela diminuição do resultado primário não se sustenta. A média anual de superávit primário no período de 2003 a 2013, de 3,1% do PIB, foi quase o dobro da média anual verificada no período FHC, de 1,7% do PIB.

A narrativa oportunista quer fazer crer que o crescimento da economia nos governos do PT se deve apenas ao fator sorte, isto é, ao fato de ter coincidido com um ciclo de alta dos preços das commodities, mas, como procuram mostrar os autores da obra, isso não encontra apoio nos fatos. Essa versão omite o fato de que esse ciclo começou antes dos governos do PT. E, mesmo assim, por três vezes, o Brasil teve de recorrer ao FMI e ao aumento da carga tributária, de 27,2% para 32% do PIB.

Ao contrário do que diz outra fake news, o crescimento econômico dos governos petistas não foi sustentado apenas pelo consumo, mas resultou, sobretudo, do aumento do investimento, sobretudo com o Programa de Aceleração do Crescimento, e das políticas para gerar empregos e distribuir renda, que ampliaram o mercado interno.

Em 2014, o País deixou o Mapa da Fome. Hoje, 33 milhões disputam ossos. Viajar de avião voltou a ser privilégio de poucos – Imagem: Ubirajara Machado/MDS e Marcelo Camargo/ABR

A taxa de investimento saltou de um patamar médio em torno de 17,5% do PIB, nos governos de FHC, para 19,3% do PIB, no segundo governo Lula, e 20,5% do PIB, no primeiro governo Dilma. Nos governos Temer e Bolsonaro, a taxa de investimento despencou, registrando os menores valores relativos da série analisada.

O investimento federal também cresceu nos governos petistas. A média ­anual do investimento público total, a incluir empresas estatais e o governo federal, que declinara de 1,9% para 1,3% do PIB entre o primeiro e o segundo mandatos de FHC, estabilizou-se nesse patamar, entre 2003 e 2006, e depois subiu para 2,1% do PIB, no segundo governo Lula, e para 2,3% do PIB, no primeiro governo Dilma. Considerados também os gastos no programa Minha Casa Minha Vida, oficialmente não contabilizados, mas com efeito econômico semelhante, o nível elevado de investimentos públicos federais de 2010 manteve-se até 2014.

Nos governos Temer e Bolsonaro, o investimento federal despencou para a média anual de 1,3%. Atualmente, ele é insuficiente para repor o estoque de capital, ou seja, é incapaz de impedir a deterioração da infraestrutura já existente. “A notável queda dos investimentos públicos, a partir de 2016, é reflexo, principalmente, da convergência da política antinacional de desintegração da Petrobras e desnacionalização da cadeia produtiva de petróleo e gás, visando transformar a Petrobras em uma empresa exportadora de petróleo cru e importadora de ­derivados do petróleo”, avaliam os autores do livro. Em nome de um suposto combate à corrupção, a Lava Jato provocou imensos prejuízos à petrolífera, um dos principais esteios da formação bruta de capital na economia brasileira.

CRESCER E DISTRIBUIR É POSSÍVEL! Eduardo Fagnani, Gerson Gomes e Guilherme Mello. Fundação Perseu Abramo (128 págs., gratuito)

Ao contrário do que ocorre no governo Bolsonaro, que só conseguiu baixar a inflação com manipulações eleitoreiras de tributos e de preços de insumos, durante os governos petistas a taxa de inflação não esteve “fora do controle”, como sugerem mentiras sistemáticas. Ao contrário, ela esteve sob estrito controle e preservou a tendência de queda durante os governos Lula, apresentando ligeira alta no primeiro governo Dilma, mas ainda dentro das metas estabelecidas.

O salário mínimo, praticamente estagnado durante os governos FHC, valorizou-se mais de 74% acima da inflação no ciclo petista, beneficiando 28% dos trabalhadores e cerca de 65% dos aposentados pelo INSS. Cabe acrescentar que, no governo Bolsonaro, o salário mínimo não teve aumento real e, como se não bastasse, o ministro da Economia, Paulo Guedes, planeja extinguir em definitivo a sua correção pela inflação.

A conclusão dos autores do livro é de que “a suposta ‘crise terminal’ da economia provocada pelo ‘populismo’ petista não passa de um delírio, sem qualquer confirmação em indicadores econômicos e sociais”. O que se observa neste momento, dizem, é uma dupla crise econômica e sanitária provocada pela interrupção abrupta e ilegítima do governo Dilma, a restauração neoliberal de Temer e o governo negacionista de Bolsonaro.

A suposta “crise terminal” da economia provocada pelo “populismo petista” não passa de um delírio, afirmam os autores

Segundo o livro, as principais limitações do ciclo petista foram a não realização de uma reforma tributária para corrigir o caráter regressivo do sistema tributário brasileiro e a gestão da economia por meio do tripé macroeconômico (câmbio flutuante, superávit fiscal e regime de metas de inflação), “por diversos anos em sua versão mais rígida”. Seria possível acrescentar a essas limitações, com base em vários estudos sobre o assunto, a ausência de um enfrentamento abrangente da necessidade de retomada do desenvolvimento industrial, missão que requer fazer uma conciliação, e perfeita integração, entre políticas macroeconômica, comercial e de desenvolvimento competitivo. Essa política macroeconômica precisa ser articulada a uma política industrial e a uma política comercial ativas. É isso que a maior parte dos países com atividade industrial significativa faz.

O livro da Perseu Abramo tende a desempenhar um papel importante na retomada do debate sobre as realizações dos governos do PT. “Dizer que houve irresponsabilidade fiscal no governo Lula é, sim, uma irresponsabilidade ­intelectual. O Brasil teve superávit primário em todos aqueles anos, e superávit elevado”, ressaltou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, colunista e consultor editorial de CartaCapital, em programa recente sobre a economia e as eleições, apresentado na TV PUC-SP, na segunda-feira 24, pela professora Rosa Maria Marques.

“Aí os economistas chinfrins”, prosseguiu Belluzzo, “começaram a dizer que era um desastre aquilo. Como, um desastre? Eles afirmavam que era uma impossibilidade lógica, pois o gasto público tinha subido acima do crescimento da economia. O que era uma besteira, pois o crescimento da economia era determinado pelo investimento público que gerou renda e impostos suficientes para gerar o superávit primário. Como alguém que se formou em economia diz uma barbaridade dessas?” Presente no mesmo programa, o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, da FGV, concorda: “Em 42 anos, desde 1980, foi apenas nos oito anos do governo Lula que a economia brasileira apresentou taxa de crescimento satisfatória”. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1232 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A verdade restituída”

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