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A renovação dos renováveis

A crise energética e as mudanças climáticas abrem espaço para os investimentos em hidrogênio verde

A renovação dos renováveis
A renovação dos renováveis
Imagem: iStockphoto
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O cenário energético mundial mudou radicalmente a partir de 24 de fevereiro, quando tanques russos invadiram o território ucraniano. O maior conflito armado na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial transformou o panorama global e o movimento de governos e empresas rumo à transição para uma economia de baixo carbono. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, os países mais ricos do mundo gastarão, neste ano, 17,7% do PIB com energia, segundo maior valor da história, atrás apenas do período entre 1980 e 1981, época do segundo choque do petróleo. Os custos em 2023 poderão ser ainda maiores, por conta dos cortes no fornecimento de gás da Rússia à União Europeia.

A guerra na Ucrânia combina-se à transição energética. Após muitas negociações, os participantes 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP-27, acertaram a criação de um fundo de compensação aos países mais atingidos pelos efeitos do aquecimento global. Os detalhes operacionais só serão anunciados no próximo ano, mas o acordo indica uma nova postura dos maiores poluidores. Neste cenário, o hidrogênio verde desponta como uma das mais promissoras tecnologias. Com uma matriz elétrica na qual as fontes renováveis respondem por 85% (enquanto a média mundial é de 29%), abundância de recursos hídricos, sol e vento e capacidade de gerar energia 24 horas, nos sete dias da semana, com fontes limpas, o Brasil poderá reforçar sua liderança energética no planeta e se tornar polo de produção de hidrogênio verde no mundo. A exemplo da produção eólica, o Nordeste lidera a corrida pela atração de investimentos, com mais de 20 bilhões de dólares programados.

Grande produtor de energia limpa, o Brasil leva vantagem competitiva e ganha uma oportunidade de reindustrialização

A União Europeia anunciou, em maio, a meta de importar 10 milhões de toneladas de hidrogênio verde e produzir outros 10 milhões localmente até 2030. Um dos portos definidos como estratégicos para a importação é o de Roterdã, na Holanda, o maior da Europa e acionista do Porto de Pecém, no Ceará. Estes foram os principais tópicos discutidos nas três mesas dos Diálogos Capitais sobre hidrogênio verde, com apoio dos governos da Bahia, ­Ceará, Maranhão e do portal Terra.

“O planeta precisa buscar alternativas de descarbonização para reduzir as emissões de CO2, para conter o aumento da temperatura média global em patamares razoáveis. Agora, com o conflito da Ucrânia, a necessidade é ainda maior”, afirma Adriano Correia, chefe de Energy, ­Utilities & Resources na PwC Brasil. Na Alemanha, companhias aéreas planejam nos próximos anos usar ao menos 5% de combustível verde, ressalta Andreas Eisfelder, ­head da Área de New Energy Business da ­Siemens Energy para a América Latina.

Adriano Correia (PwC), Andreas Eisfelder (Siemens) e a especialista Camila Gramkow – Imagem: Rede sociais

Diferentemente de outras formas de produção de hidrogênio, o verde é obtido sem emissão de gás carbônico. A produção deriva da eletricidade gerada por fontes de energia limpa. Para Camila ­Gramkow, doutora em Economia da Mudança Climática pela Universidade de East Anglia e representante da Cepal, a energia renovável representa uma das melhores chances para a retomada do crescimento econômico do País. “Esse é um tema de desenvolvimento, essa tecnologia pode ser dominada e o Brasil pode ser um protagonista e líder mundial”, acredita ­Gramkow. “Temos uma grande oportunidade de reindustrialização a partir da energia. Quanto tempo esperamos por esse crescimento, o desenvolvimento de uma cadeia produtiva, desenvolvimento de Pesquisa e Desenvolvimento?”

As usinas eólicas geram hidrogênio verde. E o setor sucroalcooleiro é parte da cadeia de produção – Imagem: iStockphoto

O setor eólico tem um dos mais bem-sucedidos exemplos, nas últimas duas décadas, de política industrial no Brasil. Hoje, grande parte da cadeia eólica produz e fornece equipamentos localmente e várias empresas passaram a exportar parte da produção. O setor deve encerrar o ano com 25 gigawatts de capacidade instalada. Há 20 anos, mal chegava a 200. Em 2011, a potência instalada estava em 1 giga de empreendimentos no País. A política industrial voltada ao setor eólico contou com o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), iniciativa de financiamento público que funcionou como medida anticíclica durante a crise econômica global de 2008. Pelo programa, o governo federal realizou repasses ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e viabilizou taxas incentivadas de financiamento. Em paralelo criou, em 2009, em apoio à diversificação da matriz de geração elétrica, o primeiro leilão para contratação exclusiva de fonte eólica. O certame marcou um ponto de inflexão na indústria e combinou-se ao contexto internacional. A desaceleração das economias norte-americana e europeia, a partir de 2008, contribuiu para a busca de novos mercados por fabricantes de máquinas e equipamentos. A contingência traduziu-se em uma oportunidade para o desenvolvimento do parque produtivo de equipamentos de geração de energia eólica no Brasil.

Participante da COP-27, Bárbara ­Rubim, vice-presidente do Conselho da Absolar, destacou que a agenda climática é o centro das preocupações de empresas e governos. Ao mesmo tempo, o Brasil tem aumentado a produção de óleo e gás no Pré-sal e galgado posições no ranking dos maiores produtores da commodity no mundo. O paradoxo tende a alimentar o debate sobre a melhor opção do ­País: acelerar os investimentos em petróleo ou apostar na transição energética. “É um discurso que pode frear o desenvolvimento do setor de renováveis e dificultar que o Brasil seja líder em novas tecnologias verdes, caso do hidrogênio”, diz Rubim.

Em uma década, o custo do hidrogênio verde será três vezes menor, segundo as projeções

Hoje, há três desafios sobre a tecnologia: custo, transporte e certificação. Estimativas de mercado indicam que o hidrogênio cinza, obtido com o uso de combustível fóssil, tem preço de 2 dólares o quilo, enquanto o verde deve custar entre 5 e 6 dólares. “Como o Brasil possui uma matriz energética composta de 85% de energia renovável, os investimentos para a produção de hidrogênio verde nacional poderiam beneficiar-se da rede elétrica existente, pois 70% do custo de produção do hidrogênio é o custo de energia”, descreve Camila Ramos, sócia da Clean Energy ­Latin ­America. Segundo estudo da Agência Internacional de Energias Renováveis, o custo atual do hidrogênio verde pode cair para entre 1 e 2 dólares por quilo na década de 2030. O Brasil estaria entre os países mais competitivos do mundo: segundo o estudo da McKinsey, o custo brasileiro ficaria ao redor de 1,50 dólar por quilo, alinhado às melhores localizações do mundo.

Bárbara Rubim (Absolar), Camila Ramos (Clean Energy) e Gerhard Ett (ABH2) – Imagem: Redes sociais

Outro desafio é o transporte, realizado de três principais formas: como gás (comprimido, tipicamente), liquefeito ou por meio de outro produto químico (um ­carrier), como amônia ou metanol. O Brasil é grande produtor de etanol, o que abre oportunidades à cadeia sucroalcooleira. “O País tem diversas opções sobre a mesa para liderar o processo”, destaca Gerhard Ett, presidente do conselho da Associação Brasileira do Hidrogênio (ABH2) e professor e pesquisador do Departamento de Engenharia Química do Centro Universitário da FEI. Potência agrícola, o Brasil importa cerca de 80% do fertilizante usado, o que também cria oportunidades para o mercado interno, disse o professor.

Outro obstáculo a ser superado será o de certificação da nova tecnologia. O hidrogênio, considerado uma das mais promissoras tecnologias de descarbonização de processos industriais e na área de transportes, é produzido a partir da água e de um processo chamado eletrólise, que consome eletricidade. Para ser considerado verde, o processo precisa usar insumos originados de fontes limpas 24 horas dos sete dias da semana, como eólicas, hidrelétricas e solares. A discussão da certificação inicia-se em meio a uma disputa comercial entre países para liderar a corrida tecnológica. O debate é se apenas novos projetos poderiam obter aval ou se a modernização de plantas existentes bastaria. Outra discussão tem a ver com a avaliação de que o hidrogênio verde é totalmente produzido de fontes renováveis, validação não tão simples, pois as termoelétricas podem complementar a energia em alguns momentos. No Brasil, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, que registra contratos no mercado de energia, iniciará neste mês projeto piloto de certificação de hidrogênio verde. A organização também participa dos debates para a criação de um selo internacional. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1238 DE CARTACAPITAL, EM 14 DE DEZEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A renovação dos renováveis “

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