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A negociação de créditos de carbono dispara – e o Brasil tem muito a ganhar com a retomada

Proteger a Amazônia pode render até 100 bilhões de dólares para o País até 2030

Preferência. Mais de 40% dos investimentos na compensação vão para projetos de recuperação das florestas. Uma oportunidade para o País – Imagem: iStockphoto
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O mercado voluntário de crédito de carbono está em alta. Um crédito de energia renovável que estava na faixa de 1 dólar cerca de três meses atrás, hoje é adquirido por 3 dólares. Um crédito de REDD (Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal), que valia cerca de 4 dólares, alcançou a marca de 10 a 14 dólares, aponta Felipe ­Bittencourt, CEO da consultoria WayCarbon. Os negócios dispararam: nos oito primeiros meses de 2021, o crescimento das ­transações em todo o mundo foi de quase 60%, comparado ao mesmo período de 2020, segundo o relatório Ecosystem ­Marketplace, produzido pela organização internacional Forest Trends. A estimativa é de que, em 2021, a movimentação tenha se aproximado de 1 bilhão de dólares em todo o planeta, reflexo da “corrida global para zerar as emissões e alcançar as metas do Acordo de Paris até 2030”. Isso leva as empresas a adquirir créditos de carbono tanto para cumprir suas estratégias corporativas quanto como um movimento de antecipação de compras diante da perspectiva de alta de preços.

“A combinação desses dois fatores torna o mercado uma fonte importante de financiamento para projetos verdes em todo o mundo”, assinala Stephen ­Donofrio, principal autor do relatório e diretor do Ecosystem Marketplace, em comunicado à imprensa, em setembro do ano passado, antes, portanto, da realização da COP26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021 realizada no início de novembro em Glasgow, Escócia. A alta dos preços, argumenta Bittencourt, da empresa especializada em sustentabilidade, tecnologia e gestão de ativos ambientais, atesta o fortalecimento do mercado de créditos de carbono, em razão da “maior pressão por esses créditos e, consequentemente, da tendência de alta nos preços no mercado global tanto do regulado, que opera sob as normas da ONU e de governos, quanto do voluntário (das empresas)”.

Proteger a Amazônia pode render até 100 bilhões de dólares para o País até 2030

Após anos de espera, a COP26 finalmente concluiu o chamado “livro de regras” do Acordo de Paris. Em particular, estabeleceu a regulamentação do chamado artigo 6º, com as definições para a negociação internacional de ativos ambientais relacionados à emissão de gases de efeito estufa (GEE), que compõe o mercado de carbono. Segundo analistas e especialistas, a nova regulamentação cria mecanismos, infraestrutura e processos no sentido de fomentar transparência, integridade e segurança nos mercados privados voluntários e nas regulações nacionais.

Segundo Bittencourt, o mercado regulado pela ONU começou a se desenvolver a partir de 2001, depois da COP de Marrakesh, no Marrocos, e por alguns anos gerou interesse de países e empresas. As indefinições em relação aos desdobramentos das ações para conter o lançamento de GEE e o aquecimento global, além da crise financeira global de 2008, esfriaram, no entanto, o mercado e os preços desabaram. “Nessa época, um crédito de carbono era negociado por 23 euros, preço que depois caiu para centavos, lembra o executivo. Nos últimos anos, os créditos do mercado regulado passaram a ser utilizados no mercado voluntário, do qual fazem parte empresas que optam por promover uma ação de responsabilidade climática e compensam suas emissões por meio da compra de crédito de carbono de projetos que reduzem ou removem CO2 da atmosfera, sem ter obrigação de cumprir metas de âmbito nacional ou resultado de acordos internacionais. “A partir do momento que o mercado regulado ganha força em razão da mudança e clareza nas regras, como ocorreu agora na COP26 com o artigo 6º, com aumento da demanda, há uma pressão na disponibilidade de créditos também no mercado voluntário. É um efeito em cadeia”, afirma Bittencourt, ressaltando que “haverá um período de transição, pois a “chave na ONU acabou de virar” e as novas regras passam a valer para as primeiras metas nacionais, chamadas de Contribuições Nacionalmente Designadas (NDC, na sigla em inglês), em 2030.

Desembaraço. A COP26 definiu novas regras para o mercado, o que dá garantia e incentiva as negociações – Imagem: iStockphoto

Atualmente, detalha, quem estabelece os preços é o mercado voluntário, no qual as estratégias de negócio e de ­marketing das empresas contam muito. Assim, os projetos direcionados a reduzir o desmatamento são mais procurados, porque a Amazônia está sempre no foco e as marcas querem ter a imagem ligada a projetos direcionados a tais iniciativas. E os créditos relativos a tais iniciativas são mais caros comparados a outros, como redução de emissão de metano em aterro sanitário, mudanças de combustível em indústrias e energias renováveis, observa Bittencourt. De fato, o setor florestal destaca-se nos mercados globais de carbono com participação de mais de 42% nos últimos anos em comparação a outros segmentos, o que favorece o Brasil. Segundo estudo recente realizado pela WayCarbon para o ICC Brasil – International Chamber of Commerce, estima-se um potencial de receitas para o País de até 100 bilhões de dólares até 2030, suprindo de 5% a 37,5% da demanda global do mercado voluntário e de 2% a 22% da demanda global do mercado regulado no âmbito da ONU. “Os créditos tendem a ser principalmente gerados na redução do desmatamento, na recomposição florestal e no aumento do estoque de carbono no solo por meio da agricultura regenerativa e técnicas de integração Lavoura-Pecuária-Floresta”, registra o relatório.

O Banco BV, um dos líderes do segmento de financiamento de veículos no Brasil, concluiu no ano passado a negociação de quase 7 milhões de créditos de carbono destinados à compensação das emissões dos automóveis financiados de 2021 a 2023. De acordo com o banco, até novembro do ano passado, 728 mil veículos haviam sido incluídos no programa e a expectativa para este ano é compensar, aproximadamente, 2 milhões de toneladas de gás carbônico. A instituição foi assessorada pela WayCarbon por meio de seu Programa Amigo do Clima, e a compensação acontece por meio do apoio a um mix de mais de dez projetos oriundos de diversas tecnologias, tais como geração de energia renovável, substituição de combustível e redução do desmatamento e da degradação florestal (REDD+).

Há um aumento das transações entre as empresas, de forma voluntária

Por ser um mercado tipicamente “de balcão”, ou seja, sem estruturas organizadas e reguladas, como as Bolsas de Valores, as companhias que querem compensar emissões negociam diretamente com os produtores, o que demanda algum tipo de registro e de certificação que garanta sua integridade. Essa necessidade levou a climatech Moss a desenvolver um token lastreado em crédito de carbono para ser empregado na compensação de gases de efeito estufa. “Conseguimos digitalizar grande parte dessa cadeia, com o objetivo de tornar os créditos de carbono acessíveis às empresas e pessoas, sem abrir mão da confiabilidade dos dados”, afirma Fausto Vanin, head de Produto da Moss e cofundador da ­Onepercent, parceira da empresa. “E conseguimos resolver essa equação com a tecnologia blockchain (a mesma que deu origem ao bitcoin e outros criptoativos), de modo a poderem ser auditados para certificar que os créditos em circulação correspondem aos adquiridos.”

Em quase dois anos, a empresa transacionou mais de 100 milhões de reais aplicados na conversão de estimadas 735 milhões de árvores na Amazônia em projetos certificados e auditados internacionalmente. O MCO2 Token está listado em plataformas como Mercado ­Bitcoin, e globalmente na Gemini, ProBit e Uniswap e foi utilizado por mais de 300 empresas de todo o mundo, além das brasileiras iFood, Hering e Gol Linhas Aéreas. Nesta, uma das ações consiste em possibilitar aos passageiros e tripulantes nos voos da rota Congonhas-Bonito-Congonhas, inaugurada em dezembro, compensarem a pegada carbônica deixada pelas viagens, neutralizando as emissões totais nos dois trechos, com direito a certificado.

Crescimento. Bittencourt e Vasconcelos apostam na retomada – Imagem: Lucas Bori/EcoCart e Way Carbon

A americana EcoCart acaba de chegar ao Brasil para oferecer uma solução de compensação de carbono com foco exclusivo no varejo online, desenvolvida no Vale do Silício em 2019. Instalado no carrinho de compras de uma loja digital, o software embute um algoritmo que calcula as emissões de GEE equivalentes à compra efetuada, desde aquelas relacionadas ao produto até o frete, e a compensação de carbono equivalente. “A marca pode oferecer a compra já compensada ao consumidor. Também pode fazer a compensação juntamente com ele, ou ainda dar a possibilidade de o cliente compensar a sua própria compra”, diz Pedro ­Vasconcelos, CEO da E­coCart no Brasil. O ­e-commerce escolhe o projeto que vai receber os recursos e o cliente é avisado do destino do dinheiro. Atualmente, a EcoCart destina as pegadas compensadas a 25 projetos, dos quais três estão no Brasil.  Hoje, a empresa tem 15 acordos com empresas no País, incluí­das pequenas e médias. Nos EUA, mais de 1,5 mil e-commerce utilizam o ­software e em torno de 28% dos consumidores compensam suas compras. Aqui no Brasil são 12%. “É um bom número, considerando que estamos há somente três meses no mercado”, comenta Vasconcelos, cuja meta é alcançar uma taxa de conversão de 20% dos compradores, com cem ­EcoCart instalados até o fim do ano. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1192 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE JANEIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A preço de ouro”

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