E a maior manipulação eleitoral de que se tem notícia, tanto da inflação quanto da renda dos mais pobres, em simultâneo e em curto espaço de tempo. A mobilização de recursos pelo governo chega a 340 bilhões de reais, segundo algumas aproximações, entre a renúncia de impostos sobre combustíveis e a ampla distribuição de dinheiro vivo até dezembro. A diminuição do ICMS sobre a gasolina e o diesel resultou, no primeiro momento, em um declínio discreto do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, principal indicador inflacionário brasileiro, de 0,68% em julho. O efeito político esperado pelo governo, da combinação entre o barateamento da gasolina e do diesel e o aumento do dinheiro no bolso dos mais pobres por meio de auxílios diversos deveria ser uma redução da distância entre Bolsonaro e Lula, mas não foi isso que aconteceu. É o que mostra a pesquisa eleitoral do Ipec, realizada uma semana após o início do pagamento do Auxílio Brasil reajustado de 400 para 600 reais para 20 milhões de famílias, mais o adicional de 110 reais do Vale Gás para 5,6 milhões de famílias e os mil reais para 900 mil caminhoneiros, antecipações de pagamentos a aposentados, liberação de saques do FGTS e renúncia do ICMS. Na pesquisa, Lula tem 44% das intenções de voto e continua com chances de vencer no primeiro turno. Bolsonaro aparece com 32%.
É muito cedo para a oposição cantar vitória, pois falta um mês e meio para as eleições, o nível de atividade e emprego aumentou e o candidato à reeleição ainda não colocou todas as cartas na mesa, mas há ao menos duas explicações para o truque econômico bolsonarista não ter dado certo, ao menos por enquanto. A primeira delas é a ilusão de ótica inerente ao IPCA, índice que sempre mede variações de preços com efeitos completamente diferentes sobre os mais pobres e os mais ricos. De acordo com a FGV, a diferença entre a inflação dos pobres e a dos ricos em julho foi a maior desde 2020. A segunda é que a heterodoxia de ocasião do governo, gastador às vésperas da disputa presidencial, não consegue apagar de uma só vez o efeito destrutivo de quase quatro anos da política econômica de austeridade centrada no arrocho salarial e na recessão. Segundo levantamento do instituto Quaest, 57% dos brasileiros perceberam que as medidas relacionadas acima foram tomadas apenas para ganhar a eleição, enquanto 38% acreditam se tratar de uma tentativa de melhorar a vida dos cidadãos. É preciso considerar ainda que Bolsonaro atenuou a situação desesperadora dos pobres, agravada em muito pelo seu governo, mas não abriu mão do discurso extremista, e pesquisas indicam uma não aceitação do seu radicalismo sem limites, o que fica evidente na elevada taxa de rejeição.
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