Diversidade
Quem é a mulher lésbica para as pesquisas feitas no Google?
Antes, a pornografia tomava a primeira página. Agora, há destaque para uma visibilidade conflitante com valores retrógrados


Há aproximadamente um mês, digitar a palavra “lésbica” no campo de pesquisa do Google significava ser encaminhada a uma página de vídeos pornográficos. Em julho, porém, o cenário mudou. Após uma campanha encabeçada pela francesa Fanchon Mayaudon-Nehlig, criadora do grupo ativista SEO Lesbianne, hoje o verbete da Wikipedia sobre o termo está em destaque, assim como matérias sobre saúde de mulheres bissexuais e homossexuais e demais discussões de relevância. O que explica uma associação tão distorcida, no entanto, são as raízes de uma objetificação que afeta todas as mulheres.
A socióloga Regina Facchini, que é pesquisadora do movimento LGBT+ no Brasil, afirma que tal apagamento é o motivo pelo qual continua importante afirmar datas, como o mês da visibilidade lésbica, que é celebrado em agosto. Para ela, o mercado sexual encarna um fetiche não existente: de que essas mulheres, de alguma forma, esperam agradar a homens ao se relacionarem.
“A principal visibilidade era essa do estereótipo. Outras coisas sobre a vida dessas mulheres existem. Elas têm trabalho, estudam, têm questões de saúde, situações de violência que podem vir a passar, têm família como qualquer ser humano. Mas não é isso que elas vêm em princípio. Esse é um estereótipo bastante absurdo, porque gira em torno de uma fantasia sexual que não vai ser realizada.”, analisa a pesquisadora.
Pesquisa por “lésbica” no Brasil
Por meio da ferramenta Google Trends, que rastreia quais pesquisas utilizaram determinados termos nos últimos meses, é possível perceber que as dúvidas dos brasileiros dizem respeito a personalidades – como a jogadora Marta e a cantora Ludmilla -, autoconhecimento e declarações políticas. No último caso, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos teve destaque com o vídeo que acusa a Disney de querer colocar a personagem Elsa, de Frozen, como uma “rainha lésbica“.
Se, por um lado, há padrões sexistas e declarações preconceituosas, também pode existir uma espécie de “espelho” para aqueles que enxergam em Marta e Ludmilla os exemplos de mulheres bem sucedidas e assumidas em relação às sexualidades.
A ferramenta mostra que, ao longo dos meses que antecederam a Copa do Mundo Feminina de 2019, realizada na França, o interesse pela palavra também cresceu.
Para Facchini, os picos de audiência também podem significar mera confirmação de fofocas pela internet, mas a mudança estabelecida é importante para permitir que um aspecto da “vida real” das mulheres lésbicas apareça em destaque, ao contrário do que é propagado pela pornografia.
A mudança se insere em uma década difícil para a população LGBT+, apesar de avanços recentes como a criminalização da LGBTfobia no Brasil. A relevância que Damares Alves lançou sobre a personagem animada é uma prova do que está se multiplicando no campo moral. “A gente não pode dizer que a Damares, quando falou da personagem da Disney, estivesse falando de algo positivo”, resume Regina.
Ao digitar “lésbicas”, no plural, as pesquisas ainda direcionam o usuário a uma realidade adulterada do relacionamento entre mulheres homossexuais. Há mais do que o algoritmo a se mudar.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

“Bolsonaro não é conservador. É um abusador midiático”
Por Giovanna Galvani
Saúde da mulher lésbica e bissexual: por que ainda se erra tanto?
Por Karina Cidrim
Funcionária lésbica obtém na Justiça direito de usar banheiro feminino
Por Brenno Tardelli
Mulheres trans que amam mulheres: histórias de luta e busca por respeito
Por Alexandre Putti