Diversidade

Qual é a visibilidade que os ciganos querem no novo governo?

Ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves disse que dará visibilidade ao povo cigano, mas não explicou como

Acampamento de grupos ciganos que vivem em situação de itinerância. Foto: Ingrid Ramanush Acampamento de grupos ciganos que vivem em situação de itinerância.
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Damares Alves afirmou em sua primeira fala, após ser anunciada ministra dos Direitos Humanos, sua intenção em dar mais visibilidade ao povo cigano. Sem apresentar maiores detalhes sobre o que, para ela, isso significa, a CartaCapital conversou com dois representantes de organizações que militam contra o preconceito a essa etnia e pela garantia de seus direitos como povos tradicionais.

Nicolas Ramanush, diretor da ONG Embaixada Cigana no Brasil, e Elisa Costa, presidente da AMSK-Brasil, concordam que um dos grandes problemas vividos pelo povos ciganos está no preconceito sofrido. “A única visibilidade que nos resta é a negativa”, afirma Ramanush, que também é professor universitário.

Um exemplo, segundo ele, é a maneira como a imprensa em geral se refere ao povo cigano, sedimentando um estereótipo depreciativo. “Basta que qualquer pessoa digite, na busca do Google, por exemplo: ‘cigano mata’. Surgirão centenas de visibilidades negativas. E digo negativas porque são conteúdos generalizantes e estereotipado, nas quais o indivíduo perde o nome e ganha o rótulo de ‘cigano’, fato que não ocorreria se o indivíduo envolvido em um crime, por exemplo, fosse judeu ou de outra etnia”.

Um dos passos que ele sugere para começar a mudar esse cenário é a promoção de como os ciganos colaboraram para a formação da cultura brasileira. Entre os nomes importantes na política, por exemplo, ele cita dois ex-presidentes: Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) e Washington Luís (1869-1957).

Itinerância, educação, saúde e cidadania

Outro ponto levantando pelos militantes ciganos está nos obstáculos que enfrentam para manter vivendo conforme suas tradições. Ainda que a maioria desse povo já tenha estabelecido lugares fixos para viver, ainda há uma parcela que vive na itinerância, ou seja, que viaja e se desloca constantemente.

“A gente precisa que se cumpra o que já existe”, afirma Elisa. Ela se refere as recomendações indicadas no Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3), que prevê a garantia de condições para a realização de acampamentos ciganos em todo o território nacional. Elisa, no entanto, afirma que muitas vezes não há condições dignas para as famílias acamparem. Falta estrutura elétrica e fonte de água.

Ainda que não tenha poder de lei, planos como o PNDH-3 são utilizados como bases para a criação de normas e leis que garantem os direitos do cidadão ou de um grupo.

Esse é apenas um dos problemas enfrentados. Em certas regiões do País, diz ela, os acampamentos são alvo de violência, inclusive da polícia. “A polícia chega e não quer saber se tem crianças ou idosos, não pergunta porque estão em itinerância.”

Na questão da saúde e educação, os povos ciganos continuam enfrentando obstáculos, mesmo que já exista diretriz estabelecida para evitar qualquer prejuízo ou constrangimento. “Uma portaria do Ministério da Saúde diz que o cigano, o morador de rua e a pessoa em situação de itinerância não precisam apresentar o certificado de residência para ser atendido no SUS”. Mesmo assim, seguem não sendo atendidos em postos de saúde, segundo Elisa.

Situação semelhantes ocorre quando a criança, junto com seus pais, está se deslocando de uma cidade a outra e precisa sair da escola. “Essa criança tem o direito de entrar em outra escola e ser atendido por motivo de itinerância”

Na visão de Ramanush, nunca houve política de integração nos governos anteriores que auxiliasse em assuntos desde a obtenção de documentos como a alfabetização. “Todos os governos, a grande maioria, nem enxergava o povo cigano. O Lula deu visibilidade quando institui o Dia do Povo Cigano. Acontece que ele fez isso e não fez mais nada.”, afirma.

Leia também: 'Brasil troca Direitos Humanos por valores familiares', diz Guardian

Ramanush explica que, além da questão do deslocamento de família, o avanço educacional de alguns ciganos está diretamente ligado ao fato de não conseguirem apresentar nas escolas documentos.

Apesar das questões burocráticas, o professor universitário destaca que há um componente cultural: parte da comunidade sofre com a própria ignorância. “Alguns acreditam que crianças não devem seguir estudando após os 12 anos, para evitar contato com drogas ou correr o risco de quebrar a tradição de casamentos endogâmicos.”

Uma saída, para ele, seria o governo mostrar aos mais ignorantes que a cultura não seria perdida com a alfabetização e uma cidadania maior, e facilitar os entraves burocráticos.

A declaração da ministra em dar visibilidade foi bem vista por ambos, porém, dizem ser necessário saber quais medidas efetivas serão tomadas. “Quando a ministra fala de visibilidade a gente espera que seja essa vontade política e para coisas assertivas, sem folclore”, ressalta Elisa. Ramanush acredita que o trabalho pregresso de Damares Alves nos temas humanitários poderá auxiliar nessa missão, porém “só quando a máquina começar a funcionar que a gente saberá o que vai acontecer”.

Ciganos

No Brasil, o povo cigano está divido em três grupos, explica Ramanush:

Os Sinti, originários do norte da Alemanha, norte da Itália e sul da França, chegaram ao Brasil a partir de 1880 junto com as primeiras companhias de circo. Inicialmente os Sinti viviam, predominantemente, como saltimbancos, palhaços, músicos, ourives, teatro. E hoje a maioria vive em áreas ligadas à cultura (professores, músicos, artistas plásticos, teatro etc).

Os Rom representam um grande grupo, pois há neste subdivisões: ‘Calderashes’, ‘Matchuanos’, ‘Moldovanos’, “Lovaras’ etc. Chegaram ao Brasil no período da imigração do século 19. Inicialmente os Rom viviam, predominantemente, como comerciantes (caixeiro-viajante). Hoje, uma parcela continua como comerciante enquanto outra é formada por profissionais liberais (advogados, médicos, etc).

Os Calon, originários da Espanha e Portugal, representam outro grande grupo. Chegaram ao Brasil como degredados de Portugal, oficialmente a partir de 1574. Inicialmente os Calon viviam como saltimbancos, mambembes, mascates, latoeiros, ferreiros. Chegando inclusive a fazer história no Rio de Janeiro, como os primeiros “oficiais de justiça” da época. Hoje uma parcela significativa de Calons vive do pequeno comercio. Se deslocam buscando freguesia de cidade em cidade, dentro de um Estado. E por esse motivo são ainda vistos casualmente em acampamentos.

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