Diversidade

Preconceito em campo: 8 em cada 10 torcidas LGBTs não frequentam estádios de forma organizada

Ausência de diálogo e de uma posição clara dos clubes contra o preconceito reforça a LGBTfobia nas arquibancadas brasileiras

Torcida organizada do Palmeiras, a PorcoÍris. Foto: Reprodução / Instagram
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Cantos homofóbicos, provocações e até agressões físicas não são novidade no futebol brasileiro – contra a torcida rival, vale tudo. Para torcedores LGBT+, no entanto, a violência pode estar na cadeira ao lado. De janeiro a novembro, o Brasil registrou ao menos 66 casos de LGBTfobia ligados ao esporte – o equivalente a um ataque a cada cinco dias.

Dados apurados em 2023 pelo Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, reforçam um cenário de LGBTfobia crescente nos estádios brasileiros. Em 2022, o país registrou 74 ocorrências, um aumento de 76% em relação ao ano anterior, quando os campeonatos voltaram a contar integralmente com a participação das torcidas em jogo durante a pandemia.

Com a vida em jogo e a violência em campo, 17 das 21 torcidas e coletivos esportivos LGBT afirmam não assistir às partidas de forma organizada por não se sentirem seguros nas arquibancadas.

Em 2019, Yuri Senna, co-fundador do Canarinhos e fundador do coletivo LGBT do Cruzeiro, chamado Marias de Minas, teve sua intimidade violada ao ser gravado pelos torcedores do próprio time enquanto era abraçado pelo namorado, Warley, durante um jogo contra o Vasco no Mineirão. Entre ofensas e ameaças, seus ‘colegas de manto’ chegaram a afirmar que os dois eram ‘infiltrados do rival’ para desmoralizar os cruzeirenses.

“Ir ao estádio com qualquer coisa que deixe explícito que somos LGBTs é o mesmo que virar um alvo”, lamenta.

O que era para ser mais um caso de homofobia isolado gerou repercussão e fez com que o casal ganhasse apoio nas redes e participasse de uma reunião promissora com dirigentes do estádio Mineirão. O contato com o time, no entanto, foi resumido a uma ligação privada, sem qualquer pronunciamento ou menção pública ao caso.

De acordo com o levantamento de 2022, 63,6% das torcidas e coletivos LGBT+ não possuem contato direto com os times que defendem. Yuri destaca que, embora algumas organizações ainda discutam a LGBTfobia em campo, a pauta dentro dos times é vendível ao cenário.

“O desempenho do time no campeonato é um termômetro para identificar o quanto eles vão falar dessas pautas ‘sensíveis’ no ano. Se o time tem um mau desempenho, ele não vai se posicionar sobre casos que aconteçam”, aponta.

Outra questão destacada por Yuri é o impacto trazido por mudanças dentro das organizações. Segundo ele, a pauta também é refém de escolhas pessoais de direcionamento trazidas por diferentes presidentes e membros das organizações. “Em 2022 tivemos uma excelente visibilidade dentro do time, fizemos collabs com a página oficial – o que é inédito – e fomos consultados em datas comemorativas. Neste ano, com a mudança na direção, tivemos baixíssima interação”, destaca.

Para Beatriz Abreu, bissexual e administradora do VascoLGBT , o cenário já foi semelhante, mas diálogo aberto com o time fez a diferença. Fundado em 2020, em meio a pandemia, o coletivo que homenageia o Vasco da Gama lidou com ameaças e ofensas online da própria torcida. Enquanto a bola estava parada, a LGBTfobia continuou em jogo nos campos virtuais.

Apesar da resistência, o coletivo encontrou meios de reunir membros (inclusive vindos de times rivais) e, com a volta dos jogos, firmou diálogo tanto com as organizadas quanto com o time. “A partir do diálogo, conseguimos reeducar boa parte da torcida. [Com o lançamento de uma camiseta em prol dos direitos da comunidade] hoje vemos ‘torcedor conservador’ utilizando a camisa com as cores LGBT+. Olho para os lados e nos vemos todos iguais”, reforça.

Em 2022, o Vasco da Gama convocou uma reunião com organizadas e coletivos no intuito de alterar os cânticos opressores considerados ‘de tradição’. Com enquetes online e convite a compositores da própria torcida, os hinos do time foram refeitos para abarcar a diversidade.

Onã Rudá, defende que os debates sobre racismo e LGBTfobia podem ser debatidos do campo para a sociedade. Segundo o co-criador do coletivo Canarinhos LGBT+, o futebol alcança locais em que o Estado ainda não chega e pode ser uma ferramenta para o governo promover transformações sociais.

“O futebol conversa com quem o Estado ainda não conversa. Quando a gente fala de futebol, falamos de periferia, de pessoas pretas que inclusive são a base das torcidas, sobretudo das organizadas. O futebol chega lá.”

A respeito do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, Rudá destaca que avanços no tema dentro do esporte foram nulos, uma verdadeira ‘bola fora’. “Até tentamos reuniões, à época com a ministra Ana Moser e não conseguimos. Cheguei a falar com ela por WhatsApp, mas não avançou. Com a mudança no ministério [a exoneração de Moser e a nomeação de André Fufuca], não conseguimos nova abertura.

Indicado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), André Fufuca assumiu o ministério do Esporte em setembro. Em sua trajetória política, anterior à nomeação, Fufuca nunca apresentou projetos de lei voltados à área esportiva.

Copa no Catar e a LGBTfobia

O anuário da violência contra LGBTs no esporte também analisou a Copa de 2022, realizada no Catar. Ao todo, o maior evento esportivo do mundo registrou 35 casos de LGBTfobia nos 28 dias de partidas.

No país sede, a legislação criminaliza relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo com penas de reclusão. A pena de morte, embora não legislada oficialmente, é discuta devido à interpretação da sharia, ou lei islâmica.

As leis do país contrastaram com os direitos fundamentais definidos na legislação da Fifa, organizada da Copa. A entidade afirma ter o compromisso em promover um ambiente inclusivo e livre de discriminação durante o evento, mas durante a Copa interveio ao menos 4 vezes para impedir que manifestações pró-LGBT fossem exibidas.

Dos 35 casos registrados, 23 deles foram causados por torcedores portarem as cores do arco-íris em itens e vestimentas, incluindo a bandeira de Pernambuco. Do total, 17 foram promovidos por agentes do Catar que realizavam a segurança e administração do evento.

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