Diversidade

Com 26 formatos no Brasil, ‘cura gay’ é tortura, alertam especialistas

No dia 13 de outubro, a influenciadora bolsonarista Karol Eller, 36, cometeu o “autoextermínio”, conforme definição da psicóloga Dalcira Ferrão. Um mês antes, ela esteve no retiro Maanaim, da Assembleia de Deus de Rio Verde, em Goiás, onde disse ter renunciando à “prática homossexual”. Ativistas […]

A influenciadora bolsonarista Karol Eller, 36. Foto: Reprodução
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No dia 13 de outubro, a influenciadora bolsonarista Karol Eller, 36, cometeu o “autoextermínio”, conforme definição da psicóloga Dalcira Ferrão. Um mês antes, ela esteve no retiro Maanaim, da Assembleia de Deus de Rio Verde, em Goiás, onde disse ter renunciando à “prática homossexual”. Ativistas denunciam que Karol estava sendo submetida à chamada “cura gay”.

“Vocês sabiam que eu me converti em Rio Verde – Goiás? Pois é, no retiro Maanaim. Foi assim que eu decidi renunciar os desejos da carne para seguir a Cristo”, escreveu a influenciadora no Instagram, em 5 de outubro, oito dias antes de sua morte.

Na segunda (16), os deputados federais Erika Hilton (PSOL-SP), Pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) e Luciene Cavalcante (PSOL-SP) protocolaram, no MPF (Ministério Público Federal), um pedido de investigação contra a igreja.

O MPF informou que recebeu a representação na terça (17). “O caso está em fase de análise preliminar para definição dos próximos passos, o que pode significar instauração de inquérito, arquivamento ou outras medidas cabíveis. Não há prazo para conclusão dessa avaliação inicial.”

“Pedimos que a Assembleia seja investigada por homotransfobia, tortura e incitação ao suic*dio, em Rio Verde e também nas outras localidades em que esse retiro é realizado”, detalhou Erika Hilton no Instagram.

A deputada lembrou que as “terapias de conversão” são vedadas pelo Conselho Federal de Psicologia. Em sua resolução nº 001/99, o órgão defende que “a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão” e, portanto, não deve ser patologizada – o mesmo vale para a bissexualidade e a transgeneridade.

Ainda assim, uma pesquisa do Instituto Matizes em parceria com a All Out mostra que essas práticas de “correção” são largamente utilizadas no Brasil, inclusive em contextos de saúde física e mental, como em consultas com psicólogos e psiquiatras. Elas também são praticadas em contextos escolares, familiares e religiosos.

Tortura

Segundo a psicóloga Dalcira Ferrão, é comum que a vítima esteja vulnerável quando procura a “cura gay”. “As pessoas se submetem às tentativas de aniquilamento de si em prol de diminuir a rejeição, a ansiedade e o sofrimento”, avalia.

Porém, em vez de alívio, ela encontra “procedimentos de tortura psicológica e física sem qualquer respaldo técnico-científico para promover saúde”. O que é chamado de “processo terapêutico” consiste, na verdade, em “práticas punitivas, imposição de isolamento social, reafirmação constante de valores morais e disciplinamento cisheteronormativo”, explica a especialista.

Desfechos como o de Karol Eller não são raros. “Entre os danos e sofrimentos causados por essa promessa de cura, reversão ou reorientação da sexualidade e/ou do gênero, estão a perda de vínculos, ideações e tentativas de autoextermínio, autoextermínio consumado, automutilações, raiva, medo, negação e evitação do desejo sexual, uso abusivo de álcool, outras drogas e medicações”, cita.

Grande parte dos entrevistados da pesquisa realizada por Matizes e All Out também relatou ideações e/ou tentativas de suicídio. “Em vários relatos é comum aparecer a frustração causada pela dificuldade e a incapacidade em tentar enquadrar o desejo e o afeto para algo diferente daquilo que a pessoa sente, de como a pessoa de fato é”, diz o diretor executivo do Instituto Matizes, Lucas Bulgarelli.

Um estudo conduzido pelo psicólogo Mark Louis Hatzenbuehler, professor da Universidade de Harvard, aponta que gays, lésbicas e bissexuais têm seis vezes mais chances de cometer o suicídio em comparação com pessoas heterossexuais – 21.5% contra 4.2%, respectivamente. A pesquisa também indica que a população LGB corre um risco 20% maior de recorrer ao suicídio quando vive em ambientes onde as pessoas não apoiam sua sexualidade.

Pressão no legislativo

O relatório “Entre ‘curas’ e ‘terapias’: esforços de ‘correção’ da orientação sexual e identidade de gênero de pessoas LGBTI+ no Brasil”, que sistematiza a pesquisa do Instituto Matizes em parceria com a All Out, aponta que 52,8% dos respondentes tinham entre 6 e 17 anos quando passaram pela “cura gay”.

O estudo elencou pelo menos 26 maneiras pelas quais as “terapias de conversão” ocorrem no Brasil. “Há situações em que elas ocorreram na quadra da escola, no consultório do pediatra, mas também há outras menos evidentes, que ocorriam dentro da própria casa da vítima”, descreve o diretor executivo Lucas Bulgarelli.

Em muitos casos, as pessoas que estimulavam ou realizavam essas “terapias” faziam parte do círculo de convivência da vítima – eram pais, parentes, professores, vizinhos ou membros de comunidades religiosas. “Tanto a identificação quanto a denúncia dessas violências se tornam difíceis de ocorrer, pois envolve questionar pessoas com quem se tem laços de confiança e respeito”, observa.

Os pesquisadores concluíram que é preciso tirar o tema da invisibilidade e pressionar os legisladores a dificultarem ou impedirem essas práticas de “cura gay” – para isso, lançaram um abaixo-assinado. Até o fechamento desta reportagem, pouco mais de 1,8 mil pessoas haviam assinado o documento. A meta é 50 mil.

Em 17 de outubro, Erika Hilton protocolou, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 5034/2023, que busca equiparar as chamadas “cura gay” ou “terapia de conversão sexual” à tortura, crime inafiançável com pena de até oito anos de reclusão.

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