Diversidade

“Nós, lésbicas, seguimos fetichizadas nas ruas e na mídia”

Em meio ao avanço da onda conservadora, mulheres homossexuais pedem visibilidade e respeito

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Em geral vistas pela sociedade por meio das lentes do ódio ou do fetiche, as mulheres lésbicas buscam visibilidade em meio à crise política, à perda de direitos e à onda conservadora.

Há 21 anos, um coletivo de mulheres resolveu questionar a invisibilidade deste setor da sociedade, recorrente até mesmo em espaços progressistas, por meio do primeiro Seminário Nacional de Lésbicas, realizado no Rio de Janeiro. A data, 29 de agosto, ficou marcada como o Dia da Visibilidade Lésbica. De lá para cá, não houve avanços expressivos nas demandas e nos desafios enfrentados por elas.

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“Seguimos fetichizadas nas ruas e na mídia e a nossa sexualidade segue sendo infantilizada e banalizada, uma vez que a sociedade patriarcal só acredita no modelo heteronormativo de relação e afeto. Tal modelo legitima assédios, violências e a nossa total invisibilização, colocando, desta forma, nossas vidas em risco a todo momento”, explica Natalia Pinheiro, 27 anos.

No continente americano, a violência contra lésbicas é movida principalmente pela misoginia e a desigualdade de gênero, como constatado historicamente nos relatórios sobre o tema produzidos pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Entre as violências registradas estão o “estupro corretivo”, isto é, a violência sexual que objetiva “mudar” a orientação sexual da vítima, agressões devido a demonstrações públicas de afeto e internações forçadas visando “converter” a orientação sexual das vítimas.

Publicitária e produtora cultural, Pinheiro foi uma das organizadoras, ao lado de sua companheira Bru Isumavut, do Dyke Fest, festival lésbico feminista que reuniu bandas e promoveu discussões em São Paulo, no domingo 27, sobre os preconceitos que atingem essa população.

Confira a entrevista:

CartaCapital: Como surgiu a ideia de organizar o Dyke Fest?
Natalia Pinheiro: Trabalho com projetos desse tipo há alguns anos. No ano passado, estava organizando o festival Maria Bonita Fest, junto com outras mulheres. Mas, em um determinado momento, por falta de tempo tive que priorizar alguns espaços e pautas, depois da experiência de construir um festival autônomo com foco em hardcore e punk rock, decidi junto com a minha companheira, montar o Dyke Fest, um festival lésbico feminista idealizado e realizado por mulheres lésbicas para fortalecer a cena underground LGBT.

CC: Qual é a importância do Mês da Visibilidade Lésbica?
NP: A importância da data remete a 29 de agosto de 1996, quando ocorreu o primeiro Seminário Nacional de Lésbicas no Rio de Janeiro, realizado pelo Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro (COLERJ). A partir desta data, o dia nacional da Visibilidade Lésbica foi instaurado pelas ativistas presentes e, desde então, ativistas de lugares e ideais diferentes se unem em atos e atividades no Brasil inteiro. Muitas pautas discutidas em reuniões e também em marcha permanecem as mesmas.

CC: Por que é necessário apontar para a questão a invisibilidade?
NP: Não possuímos dados precisos e de fontes confiáveis sobre a nossa situação que possa evidenciar a realidade inquestionável da violência que presenciamos no espaço público e privado todos os dias. É assim que a nossa invisibilidade se inicia.

Se não existem dados sobre a violência e a nossa condição social, não conseguimos criar justificativas para a implementação de políticas públicas ou qualquer tipo de ação direcionada para comunidade de mulheres lésbicas.

Por outro lado, seguimos sendo fetichizadas nas ruas e na mídias e nossa sexualidade segue sendo infantilizada e banalizada, pois a sociedade patriarcal só acredita no modelo heteronormativo de relação e afeto. Esse modelo legitima assédios, violências e a nossa total invisibilização, colocando a nossa vida em risco a todos os momentos.

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CC: A invisibilidade permanece mesmo em movimentos sociais, setores da esquerda ou mesmo no feminismo?
NP: Sim, a esquerda ainda tem muita resistência em debater lesbianidade e a pauta LGBT como um todo. Em geral, criam setores que demandam a responsabilidade para algumas LGBTs, mas pouco constroem ou se preocupam realmente com a vida dessas pessoas.

CC: Na descrição do Dyke Fest vocês citam o atual contexto político brasileiro, marcado pela retirada de direitos e o avanço da extrema-direita e da bancada religiosa. Como este cenário impacta a mulher lésbica?
NP: As mulheres lésbicas são expostas a diversas formas de violência (físicas e psicológicas), mecanismos de exclusão na sociedade e, nas políticas públicas, ainda são pouco consideradas. A melhora das condições de vida da mulher lésbica depende do enfrentamento do sexismo e da lesbofobia que reforçam as desigualdades na sociedade brasileira.

Algumas politicas públicas que foram pautadas pelo movimento organizado de mulheres, mas, no atual cenário politico, pouco conseguimos avançar em relação a essas demandas urgentes que dizem respeito a vida de mulheres no Brasil inteiro.

CC: Quais seriam essas demandas?
NP: Por exemplo, ampliar o acesso e melhorar a qualidade do cuidado à saúde integral das mulheres lésbicas, realizar ações de formação sobre políticas públicas e acesso aos direitos, além de encontros para articular a agenda de enfrentamento ao racismo, sexismo e lesbofobia e outras formas de discriminação.

Também seria importante incentivar a produção de estudos, pesquisas e ações de mudança voltadas para o enfrentamento da lesbofobia, combater a evasão escolar de meninas lésbicas e produzir e difundir conteúdos não-discriminatórios e não-estereotipados das mulheres nos meios de comunicação, assim como promoção do acesso igualitário aos esportes e ao fomento às produções culturais, reconhecendo seu protagonismo e realizações nesses campos.

CC: Na sua opinião, falta atenção do poder público para as mulheres lésbicas? Quais políticas poderiam ser interessantes para esta parcela da sociedade?
NP: Sim. Além das já citadas, precisamos pensar na sensibilização das delegacias, para que as mulheres consigam fazer denúncias e procurar algum tipo de auxilio. Também precisamos pensar em casas de acolhimento para as jovens que são expulsas de casa na adolescência. Tal acolhimento é fundamental para que essa mulher supere esse abandono e consiga reconstruir a sua vida de forma autônoma.

 

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