Cultura

Vitória do movimento foi sobre “polícia parafascista”, avalia Tales Ab’Saber

Convidado da Flip debateu com Vladimir Safatle e o britânico T. J. Clark o que levou as multidões às ruas

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Na tentativa de tentar entender o que ainda está em curso –e parece nebuloso–, uma certeza: as manifestações que tomaram o País nas últimas semanas expuseram um dos calcanhares de Aquiles do processo democrático brasileiro: a herança militar nas forças de segurança, envoltas em denúncias de abuso de poder.

Na mesa “Da arquibancada à passeata, espetáculo e utopia”, na noite deste sábado último na 11ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o psicanalista Tales Ab’Saber conquistou a plateia ao lembrar que um dos grandes feitos do Movimento Passe Livre (MPL) foi ter tocado em uma ferida antiga do Brasil pós-democratização: a polícia militar. “No primeiro estágio, o MPL conseguiu com que se colocasse [o debate sobre] a possibilidade de o transporte ser público. E em um outro foi a vitória desses meninos sobre a polícia parafascita de São Paulo, apoiada pelos jornais.”

Ao lado do filósofo Vladimir Safatle e do crítico literário T. J. Clark, ele lembrou que em três dias de manifestação do MPL venceu-se o “longo déficit brasileiro de crítica de instituições militares”. “E isso ainda não foi feito [de fato] na nossa democracia, está para acontecer”, afirmou ao classificar o caráter militar como “restos insepultos da ditadura brasileira”.

O psicanalista autor de Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica lembrou que, ao demandar transporte público acessível, os membros do grupo nascido em 2005 conseguiu evidenciar a repressão inerente a forças que deveriam prezar pela segurança. “Os meninos não foram criticar a polícia, queriam o fim do aumento da passagem. Mas venceram a polícia legal e ilegítima”, lembrou. “A partir do momento em que a polícia foi afastada, o movimento cresceu e se expandiu.”

Ao seu lado, o britânico T. J. Clark, autor de Por uma esquerda sem futuro (Editora 34), teceu inúmeros elogios às manifestações que marcaram junho de 2013 e explicou-as como um apoderamento natural do processo democrático. “Parece glamouroso um eleitorado abusado e cansado de sua imagem no outdoor, cansado do superinvestimento do Estado brasileiro na super Copa do Mundo”, disse. “[Esse eleitorado] deve se dar conta de como o mundo está fascinado com a visão do Brasil e outros países se virando contra o culto ao futebol. Mas não o culto ao futebol, mas às igrejas e catedrais ‘super astros’”, analisou ao se referir aos estádios construídos ou reformados para o evento.

Questionado pelo jornalista Mario Sergio Conti, que mediou a mesa, Safatle explicou que os protestos que vemos são nada mais que a volta da política às ruas. “É o lugar da política brasileira”, disse ao lembrar que os últimos 20 anos de relativa calmaria foram um “hiato”. “O maior saldo dos protestos é justamente retirar a política dos bastidores, tirá-la de uma função institucionalizada e colocá-la a partir de um espectro de demandas populares.”

Anunciado. O filósofo observou, no entanto, que as manifestações não deveriam ser surpresa, uma vez que descontentamento social e greves davam indícios do que estava para acontecer. “Existe uma consciência cada vez mais clara do esgotamento das possibilidades da democracia parlamentar. Quando as pessoas dizem quero política sem partidos, entramos em uma crise profunda de representação.”

Ab’Saber concordou e foi além ao ressaltar que o movimento que impulsionou as grandes manifestações “teve um diagnóstico aprofundado de onde a máquina falsificada da nossa democracia falhava”. Ele concluiu ainda que os jovens membros do MPL sabiam que, cedo ou tarde, teriam a maioria dos movimentos sociais ao seu lado, uma vez que pediam a gratuidade do transporte público, “uma demanda do lado da maioria”.

“Fragmentar o processo de uma expressão coletiva e fazer retornar individualmente cada um de nós aos nossos muxoxos cotidianos contra o ônibus, os ‘mensaleiros’, a esquerda é uma visão extremamente conservadora”, condenou.

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