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[vc_row][vc_column][vc_column_text] As lembranças de uma família que comeu canela de cachorro [/vc_column_text][vc_empty_space][vc_column_text] Somos uma família de viajantes, os cinco irmãos, desde pequenininhos. Meu pai nos acostumou assim. Meteorologista, ele vivia pra cima e para baixo percorrendo Minas Gerais, comendo poeira em estradas perigosas, tropeçando em […]

O Rio Arno, que corta Florença
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As lembranças de uma família que comeu canela de cachorro

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Somos uma família de viajantes, os cinco irmãos, desde pequenininhos. Meu pai nos acostumou assim. Meteorologista, ele vivia pra cima e para baixo percorrendo Minas Gerais, comendo poeira em estradas perigosas, tropeçando em pedras, traçando um PF em sujinhos no meio da estrada. Quando chegava em casa, um bagaço, vinha cheio de histórias e aventuras. Mas a poeira, ele não deixava de comentar, sempre com a mesma piada.

– Estou cuspindo tijolos!

Viajámos sempre de carro. Viajar de avião custava caro e minha mãe tinha pavor. O que chamo de carro era um Land-Rover velhinho, desses com capota de lona e dois banquinhos de alumínio atrás. Viajámos tanto que o meu pai mandou fazer uma almofada sob encomenda para irmos mais confortavelmente.

Íamos longe naquele jipinho, mas o lugar que mais gostávamos de ir era a cidade de Cataguases, na Zona da Mata, onde o meu pai nasceu e o meu tio Izidro tocava o Grande Hotel Villas, herança dos meus avós, que existe até hoje.

Cataguases tinha cheiro de Cataguases e a gente sentia assim que chegava. Talvez fosse cheiro de férias.

Um vento trazia do Rio Pomba um perfume de mato, de goiabas, de natureza. Até hoje ainda sou capaz de sentir esse cheiro e me lembrar do Pomba, da nossa Cataguases.

Ter um rio caudaloso cortando a cidade, era uma novidade para nós. Na verdade, tudo era novidade e sempre parecia que estávamos ali pela primeira vez.  A pracinha, o Cine Edgard, a Igreja de Santa Rita, a banca dos Irmãos Reis, o leite batido do Mocambo, a chácara de Dona Catarina, a casa do Chico Peixoto, a Rua Astolfo Dutra com suas árvores enormes e o Grande Hotel Villas, um espetáculo!

Viajamos muito na nossa infância e tudo está registrado em fotos em preto e branco da Rolleiflex do meu pai que ficava dependurada no seu pescoço, assim que entrávamos naquele jipe para mais uma aventura.

O meu pai se foi, a minha mãe se foi, mas nós nunca paramos de viajar, eu e meus irmãos. O meu pai gostava dessa movimentação e sempre vinha com mais uma piada e sempre a mesma.

– Parece que comeram canela de cachorro!

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Verdade. Já corri mundo e quero correr ainda mais. Já fui até pra Arembepe de carona na boleia de um caminhão. A minha maior aventura foi, nos anos 1970, fazer o percurso Paris-Beirute por terra, uma viagem de dias e dias em todo tipo de transporte. Cruzamos a França, a Alemanha, a Itália, a Grécia, um monte de países que não existem mais, a Turquia e chegamos na Síria, antes de pisar no Líbano querido.

Com sessenta e oito anos nas costas, continuo perambulando por aí. Estou morando em Florença, mas a cada oportunidade, damos uma escapulida. Em cada cidadezinha que chego para passar o dia, sinto o cheiro de talvez uma Cataguases da minha infância.

 A estação ferroviária, as ruas arborizadas, o rio cortando a cidade, homens pescando na sua margem, um cheiro de mato e natureza, muito parecido com o da Zona da Mata.

Ando pelas cidades olhando o seu cotidiano de cidade do interior. As vitrines, as bicicletas que passam, os aposentados sentados nas pracinhas, pessoas nas janelas apreciando o movimento, os mercadinhos cheios de frutas e legumes frescos. Estou na Itália, mas sinto que estou um pouco no interior de Minas Gerais.

O dia acaba, a preguiça vem, o sol se põe, a gente fotografa, posta, e pega o trem de volta pra casa, deixando pra trás uma saudade que não tem fim nem explicação. Amanhã, pegamos o trem pra Cinqueterre e juro, de pés juntos, que se eu encontrar um Grande Hotel Villas por lá, eu fico. Talvez para sempre.

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