Cultura

Uma vida marginal

Zuca Sardan e Nicolas Behr divertem plateia da Flip ao lembrarem trajetória como poetas malditos

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Acostumados a viver à margem e incompreendidos, os poetas Zuca Sardan e Nicolas Behr falaram de suas vidas atirando pedras nas vidraças em nome da arte do desconstruir. “Nós, poetas marginais, tivemos de esperar um bom tempo até a elite entender o que dizíamos”, disse Zuca como convidado da mesa Maus hábitos, neste sábado 6, na 11ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). “As novas gerações entenderam a nossa linguagem, que é uma linguagem de rebeldia contra os ideais impostos pela sociedade.”

A vida de militância encontrou eco no público marcado pelos recentes protestos que tomaram o País. Nascido em Cuiabá, Behr foi ovacionado pela plateia quando mostrou cartazes de protesto com dizeres como: “Tarifa zero para a poesia” e “Para o poema, o vinagre é um milagre.”

Radicado em Brasília, onde vive desde 1974, o poeta contou sobre a dificuldade em se adaptar à capital e divertiu os presentes ao se comparar a Homero. “Quando cheguei pensei: ‘Não vou me matar nessa cidade’. E a saída foi a poesia”, lembrou. “Brasília se tornou uma obsessão poética. Pode parecer pretensioso, mas sinto que Brasília precisa de mim. No imaginário brasileiro, lá só tem gente andando de jatinho… Mas isso vai acabar”, disse ao sublinhar que a cidade é “muito bonita para abrigar o poder”.

Na mesa que mais parecia uma noite de botequim entre amigos, Zuca declamou poemas com vozes peculiares, que ressaltavam seu dom para neologismos (como “porqueta”, por exemplo). “O porco é a medida de todas as coisas, mas o homem exagera na dose”, declamou antes de ser aplaudido.

Patrono dos malditos. Poeta e desenhista, Zuca Sardan é a outra face do diplomata brasileiro Carlos Felipe Saldanha, que vive na Alemanha. Nesta edição da Flip, ele lança o livro de poesia Ximerix (Cosac Naify), que traz ilustrações à la Robert Crumb de sua autoria.

Em entrevista por e-mail a CartaCapital antes da vinda a Paraty, ele tentou explicar um pouco sobre a obra ‘decifra-me ou te devoro’: “Revoltei-me contra essa máquina-martelo e também contra a prussiana contagem dos pés dos versos”. No livro, ele desafia os leitores a compreender seu papel na cena artística: a obra lembra um fanzine e escancara o fino desenhista que dialoga com o irônico poeta e ex-pintor. “Comecei a desenhar por volta dos quatro ou cinco anos, tenho mais de 70 anos de tarimba profissional. Mas meu desenho nunca foi bem aceito nos tempos engajadões ou construtivistas dos anos 1950. Por isso, aliás, cismei de ser poeta…. O-Ro-Roooo”, contou sobre o desenho que “passou a ser usado pra pajear a poesia”.

Ele explicou, no entanto, que a ideia não é “transgredir nada”: “A turma mais séria me considera um fingidão. Tal qual já reclamava, ressentido, o Conde Drácula: Mas porque essa perseguição? Por quê???”

Quando surge a pergunta sobre as diferenças e semelhanças entre Carlos Felipe Saldanha e Zuca Sardan, o jovem que beira os 80 anos de idade diverte-se: “O Carlos Felipe é um amável ancião, e o Zuca diz que é muito mais jovem. Embora cara dum, focinho do outro. Carlos Felipe é gentil velhote meio metido a granfino. E o Zuca, um galhofeiro imprevisível.”

Zuca (ou Carlos Felipe) é diplomado em arquitetura e começou a trabalhar para o Ministério das Relações Exteriores em 1963, aos 30 anos de idade. Saiu do Brasil em 1966 para servir em representações na Argélia, República Dominicana, Estados Unidos, União Soviética, Holanda e Alemanha, onde vive em Hamburgo há mais de 20 anos.

Mas por que a preferência pelo território germânico? “Gosto da Alemanha porque em pequeno meus pais sempre me levavam para Petrópolis, onde havia uma taverna-cervejaria colossal, cheia de bambuzais, garçonetes catarinas de robustos peitões em decotes de rendas bávaras”, afirma nada linear. “No chalé de chope tocavam discos de música de Wagner. Só faltava vir o Zepelim sobrevoar.”

No time dos diplomatas brasileiros escritores – como Guimarães Rosa e Vinícius de Moraes -, no entanto, Zuca não se enxerga. “Quem sou eu? Certamente não pertenço ao clube. Também no Itamaraty permaneço poeta marginal.”

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