Cultura

Um “radical de ocasião”: Antonio Candido morre aos 98 anos

O influente crítico literário deixa o legado de que não é necessário ser militante profissional para defender a igualdade e o ser humano

Ele acreditava que uma palavra, um artigo ou o auxílio a um perseguido contribuíam para a revolução
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Em 2011, o crítico literário, ensaísta, professor e sociólogo Antonio Candido definiu-se em uma entrevista: “tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas”. Embora não se considerasse um marxista, ainda enxergava em seus últimos anos de vida o socialismo como uma “doutrina triunfante”, a partir de uma ótica humanista. “O socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano.”

Nesta sexta-feira 12, o otimismo humanista de Candido passa a ficar restrito às suas obras e textos. Internado desde sábado após uma crise gástrica, o crítico literário morreu aos 98 anos no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Em um dos momentos políticos mais dramáticos do País, deixa o aprendizado de que até mesmo não militantes podem fazer grande diferença na luta social. Ele foi, para usar uma expressão cunhada pelo próprio, um fundamental “radical de ocasião”.   

Em um dos textos da coletânea “Teresina etc.”, publicado em 1980, Candido aponta para dois tipos de personagens fecundados nas lutas sociais do século XX. O primeiro, o chamado revolucionário profissional, não está muito distante da devoção religiosa: para o crítico literário, trata-se do militante “inteiramente consagrado à atividade política, materialmente sustentado por uma organização partidária, a que em princípio deve dar adesão completa, obediência sem reservas, todo o seu pensamento e sua ação, não devendo, como um clérigo, ter outro compromisso”. Eram homens, segundo ele, “formados segundo a mentalidade exclusivista das seitas”.

Havia, porém, outro arquétipo importante para a luta social. “É também interessante o tipo oposto, do homem sem qualquer compromisso com a revolução, que frequentemente é até contra ela, e no entanto nalgum período ou apenas nalgum instante da vida fez alguma coisa por ela: uma palavra, um ato, um artigo, uma contribuição, uma assinatura, o auxílio a um perseguido”.

Um dos exemplos de radical de ocasião para Candido era o cronista e jornalista João do Rio, um escritor do início do século XX capaz de “denunciar a sociedade com um senso de justiça e uma coragem lúcida que não encontramos nos que se diziam adeptos ou simpatizantes do socialismo e do anarquismo.”

O arquétipo dedicado a João do Rio também vale em certa medida para a trajetória de Candido. A luta política do crítico literário estava longe de ser clerical como a de tantos militantes com quem conviveu. Sua politização, dizia, começou muito tarde, com 23, 24 anos de idade, por influência do crítico de cinema e historiador Paulo Emílio Sales Gomes, para quem era “melhor ser fascista do que não ter ideologia”. “Cada geração tem seu dever. O nosso dever era político”, afirmou em uma entrevista há seis anos.  

Candido iniciou sua militância como integrante da Frente de Resistência contra o Estado Novo de Getúlio Vargas e participou do Grupo Radical de Ação Popular. Três anos depois, ajudou a fundar a União Democrática Socialista, versão progressista da União Democrática Nacional, ambas formadas em oposição à ditadura de Vargas. Filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro, pelo qual chegou a ser candidato. Teve pouco mais de 500 votos. 

Nas décadas seguintes, sua militância tornou-se cada vez mais de “ocasião”, embora as ocasiões fossem as mais oportunas. Em 1966, quando foi estabelecido o bipartidarismo no País, manifestou apoio ao Movimento Democrático Brasileiro. Em 1977, em meio à revitalização da oposição à ditadura militar, assinou o Manifesto dos Intelectuais a pedir o fim da censura. Em 1980, como tantos outros intelectuais, participou da fundação do PT.

Nascido no Rio de Janeiro em 1918, Candido ingressou na Faculdade de Direito da USP em 1939,  uma espécie de satisfação dada a seu pai para que pudesse cursar Ciências Sociais na antiga Faculdade de Filosofia da mesma universidade. Em 1942, tornou-se professor assistente de sociologia. Três anos depois, tornou-se livre-docente em Literatura Brasileira pela USP. A partir de então, consolidou-se como um dos principais teóricos e críticos literários brasileiros. 

Como crítico, começou a escrever para “Folha da Manhã”, que deu origem à “Folha de S.Paulo”, em 1943. Em 1956, ideaizou o projeto do “Suplemento Literário” de “O Estado de S. Paulo”. Foi também um dos fundadores da revista cultural “Clima”, responsável por revelar um relevante grupo de intelectuais integrado por ele, Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e Gilda de Moraes Rocha, com quem o autor se casou em 1943. O casal teve três filhas: Ana Luiza, Laura e Marina. 

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