Cultura

Sem Sônia Braga, Kléber Mendonça apresenta “Bacurau” em Cannes

A história, apresentada com uma espécie de western brasileiro, é a única produção latino-americana concorrendo ao principal prêmio do evento

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O filme “Bacurau”, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, fez sua estreia mundial na noite dessa quarta-feira 15 no Festival de Cinema Cannes, onde disputa a Palma de Ouro. A história, apresentada com uma espécie de western brasileiro, é a única produção latino-americana concorrendo ao principal prêmio do evento.

Desde que o nome de “Bacurau” foi anunciado na disputa da Palma, os cinéfilos do mundo se lembram do protesto de 2016, quando o elenco de “Aquarius”, que também foi dirigido por Kléber Mendonça, passou pela Croisette. Na época, a equipe do filme denunciou, nas escadarias do Palácio dos Festivais, o impeachment da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff.

Nessa quarta-feira, nos bastidores de Cannes, muitos se perguntavam se um novo manifesto seria realizado. Afinal, Kléber Mendonça vem multiplicando declarações contra a política do atual governo brasileiro. No entanto, durante a tarde, pouco antes da cerimônia, alguns membros do elenco confirmaram, enquanto passeavam pela orla de Cannes, que nenhuma manifestação de cunho político estava prevista nas escadarias do Palácio. “O protesto dessa vez será o nosso filme”, comentou um dos atores.

A promessa foi cumprida, com um ritual de tapete vermelho sem surpresas, apesar do grande número de atores presentes. Sônia Braga, que atuou em “Aquarius” e também tem papel importante em “Bacurau”, não compareceu, e quem roubou os holofotes foi Silvero Pereira, com sua cabeleira impressionante e um vestido digno de cerimônia do Oscar. Os fotógrafos imortalizaram o momento, antes do grupo entrar, sob aplausos, na sala de projeção.

Western com referências a Lampião

Rodado no sertão do Seridó, na divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba, “Bacurau” conta a história de um vilarejo que, misteriosamente, desaparece do mapa. As estradas são cortadas e o fornecimento de água e luz interrompidos, seguido de outros fenômenos inexplicáveis em um primeiro momento, mas que logo começam a fazer sentido, principalmente após a chegada de forasteiros na região.

Os diretores apresentam “Bacurau” como uma mistura de western com ficção científica, em um enredo tipicamente brasileiro, apontados aspectos como a dicotomia entre norte e sul do país, algumas questões raciais latentes e o sentimento de falta de um Estado, o que obriga os moradores a se organizarem como podem.

A atriz Bárbara Colen em cena de “Bacurau” (Foto: Victor Jucá)

“Existem tensões em vários níveis. Tensões de classes sociais, de regiões, com o nordestino sofrendo preconceito, maltratado pelo Sul e pelo Sudeste”, comenta Juliano Dornelles pouco antes da projeção, sem querer revelar muitos detalhes. “A gente vê o menor sendo engolido pelo maior, economicamente, e ninguém sente nenhum constrangimento de se comportar dessa maneira. E a gente também não teve nenhum constrangimento de fazer um filme como esse, mostrando esse tipo tensão. É uma história de resistência”, continua o diretor em entrevista exclusiva à RFI.

Os críticos e jornalistas estrangeiros que assistiram o filme saíram divididos da sala de projeção, mas entenderam que “resistir” é o verbo mais conjugado pelos moradores da cidade de Bacurau, mesmo se nem sempre captaram todas as nuances regionais e as referências do filme, como as cabeças cortadas ou personagens que lembram claramente Lampião. Entre os cinéfilos de Cannes, muitos evocaram Glauber Rocha – o que não é a pior comparação -, enquanto outros associaram a trama às notícias sobre a violência nas cidades brasileiras. O porte de arma quase indiscriminado e a ameaça ecológica, aliás, também chegaram a ser cogitados por alguns que acompanham mais de perto os debates atuais do país.

Distopia sertaneja, “Bacurau” tem o mérito de mostrar um Brasil que poucos estrangeiros conhecem, apoiado em um elenco de peso. Além da impressionante Sônia Braga, boa parte do time não é familiar do grande público e a dimensão realista da trama nos faz até esquecer que a história se passa “daqui alguns anos”.

O filme, que concorre com outras 20 produções à Palma de Ouro, deve estrear no circuito comercial francês em setembro de 2019.

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