Cultura

“Se continuarmos só cantando Cartola, o samba não vai a lugar nenhum”

Chapinha, líder do maior reduto de criação do gênero em São Paulo, prega renovação

(Foto: Divulgação)
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“O Samba da Vela é o lugar do samba inédito. Gostaria que todos os sambas de comunidade fizessem o mesmo, de ressaltar a música inédita. Com todo o respeito aos nossos ancestrais, mas se continuarmos só cantando Cartola, Nelson Cavaquinho, Adoniran Barbosa, a gente não vai chegar a lugar nenhum.” A afirmação é de um dos grandes defensores do samba no país e líder do maior reduto de criação do gênero, José Marilton da Cruz, mais conhecido como Chapinha da Vela.

Ele exalta a força dos sambas de comunidades existentes. Com o fim das escolas de samba como agregador de sambistas, esses projetos, a maioria instalada nas periferias das grandes cidades, ganharam suma importância na reunião e renovação do gênero.

Na lista de projetos em São Paulo, além do Samba da Vela, conta-se o Pagode da 27, Samba da Laje, Tempo do Onça, Terreiro de Compositores, Samba dá Cultura, Maria Cursi, Comunidade Samba da Feira, Instituto Cultural Samba Autêntico, Pagode da Madrinha, Quilombo Cultural Ybira Samba, Samba do Congo, Kolombolo, Samba da Santa, entre outros.

Chapinha, que acaba de lançar seu terceiro registro fonográfico, o DVD Entre Amigos ao Vivo, considera relevante os sambas de comunidade atrelarem sua existência ao sociocultural.

Ele cita que no ano passado projeto lei institui o Programa Municipal de Incentivo às Comunidades de Samba na cidade de São Paulo, mas carece de implementação pela Prefeitura.

“É preciso atrair o pessoal do entorno através da música. Princípios básicos para ressaltar a cidadania, tocar instrumento, recitar. Daí se descobre o talento”, afirma. “Tirar o cara no domingo de frente da televisão, que não agrega nada, para ir a uma roda de samba tem grande significado.”

Samba da Vela

O Samba da Vela foi fundado em julho de 2000 por Chapinha, os irmãos Maurílio e Magnu (que integraram o Quinteto em Branco e Preto e hoje formam a dupla Os Prettos) e Paquera (falecido em 2014).

Nesse tempo, mais de 1.400 sambas inéditos entraram nos cadernos do projeto, onde se tem os registros das canções apresentadas às segundas-feiras, quando ocorre o encontro semanal – ele acontece na Casa de Cultura de Santo Amaro, na Zona Sul da capital paulista.

Chapinha, o fundador que se mantém à frente do projeto desde sua existência, conta que cerca de 100 sambas mostrados foram gravados. “O Samba da Vela deixa um legado bacana.”

O sambista vai citando alguns compositores e cantores destacados na Comunidade da Vela, como Tia Ana, Seu Paulo, Aurélio, Mariucha, Willian Fialho, Jonatas Petróleo, Caio Prado, Nino Miau, Ana Elisa, Fabiano Silva, seu filho Bebeto e Gui Moreira. Ele também menciona seu parceiro de longa data, Naio Denay.

“Revelamos o Serginho Poeta, que recitava poesia. Ele era office boy. Mas aí fez faculdade e dá aula hoje. Tem livros lançados”, orgulha-se.

Hoje, Chapinha finaliza a produção do primeiro disco da Vó Suzana, de 80 anos, surgida na Vela. “É um trabalho de samba de favela”, resume.

Um DVD recheado de amigos

Chapinha tem um disco solo lançado em 1998 (Criança de rua) e outro em 2012 (Coisa Comum – É Gato…). O novo registro fonográfico Entre Amigos ao Vivo tem a participação de Maurílio de Oliveira, Leci Brandão, Abraão Teixeira, Carica, Jorge Sargento, Samba da Vela e Pagode da 27.

O DVD foi gravado no Centro Cultural Monte Azul, na Zona Sul paulistana, vizinho ao bar que Chapinha manteve por 10 anos e no qual fez as suas primeiras rodas, na década de 1980. Criado em Uruburetama (CE), Chapinha chegou em 1974 na capital paulista.

O lançamento acontece dia 20 de junho, no Clube Atlético Indiano, às margens da represa de Guarapiranga.

“Chapinha visou o samba no coletivo desde que tinha sua roda no seu bar. Mais tarde, com a nossa fundação da Comunidade da Vela, conseguiu definir ainda mais suas intenções, de revelar novos sambistas. É um partideiro nato, bom versador e grande compositor”, define Maurílio de Oliveira, seu companheiro de fundação do Samba da Vela.

Magnu Sousá, irmão de Maurílio e também criador do projeto, vai mais além: “Ele é um expoente do samba brasileiro, da militância em prol da cultura popular. Fundamos o movimento de samba que seria um dos mais importantes do país em defesa do compositor-sambista”.

Sem compositor não há renovação na música. Amamos todos os grandes mestres do passado, mas Chapinha tem razão: é preciso prestigiar a nova composição para o samba se manter vivo e em seu importante lugar na cultura.

O lema serve para os grandes intérpretes da música brasileira, que gravam tributos e homenagens aos grandes ícones do gênero preocupados mais em agendar shows do que propriamente fazer criativas releituras musicais.

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