Cultura

Romance explora o racismo do ponto de vista de um bolsonarista negro

‘Agora Agora’, de Carlos Eduardo Pereira, aborda as origens do bolsonarismo em uma escola militar nos anos de 1980

A partir da história dos três Jorges, Pereira fala do racismo estrutural (Foto: Bel Pedrosa/Divulgação)
Apoie Siga-nos no

Agora Agora (Todavia, 216 p., 64,90 reais), do carioca Carlos Eduardo Pereira, retrata com precisão o momento vivido no Brasil. O romance recupera a semente do bolsonarismo em quartéis e escolas militares nos anos 1980. “Que os calouros atentem para a legislatura de um vereador do Rio, aquele capitão Bolsonaro, […] pois o capitão vai defender os interesses de toda uma classe no Legislativo”, ouve o protagonista num colégio militar fictício, em Barbacena.

Essa é a única menção explícita ao ex-presidente no livro, mas Pereira, que, no final da década de 1980, estudava num colégio militar, explica que, naquela época, começou a ouvir o nome de Bolsonaro. Por isso, não se surpreendeu quando o ex-capitão começou a ter projeção nacional com seu discurso virulento. 

“Ele representa toda uma geração ressentida, que iria subir ao poder quando a ditadura acabou”, diz o autor a CartaCapital. “Na época, ele começou a ser visto como um herói, pois reivindicava melhores salários para os militares. Ele foi um mal militar, tanto que não serviria para atuar, mas viria a calhar para a categoria para entrar na política, e estar ligado ao poder.”

Pereira diz que veio, então, uma geração que esperou, por anos, sua chance de subir ao poder e retomar o período áureo. “Bolsonaro vai todo ano à formatura de jovens oficiais. Qual o motivo? Não é comum um presidente ir a esses eventos todo ano”, diz.

O protagonista de Agora Agora é Jorge Ferreira Neto, professor homofóbico, machista e racista – embora seja negro. Por meio dele, o autor dá voz a essa geração de ressentidos. O personagem não seguiu carreira militar, mas, como professor, materializa a ideologia de Bolsonaro. “Foi horrível conviver com esse personagem”, diz Pereira, que é negro. “Existem muitos como ele em grupos de WhatsApp do pessoal da minha época de colégio.”

Pereira não seguiu carreira militar. Ao terminar o colégio, fez faculdade de História na UFRJ e tornou-se professor. Anos depois, se aposentou por causa de uma doença autoimune e acabou indo fazer uma graduação em produção de textos. Seu primeiro romance foi Enquanto os dentes, publicado em 2018.

No novo livro, o autor conta a história de três gerações de uma família negra no Rio de Janeiro. “É um romance sobre hoje, sobre o imediato, mas, para falar disso, precisamos olhar para o passado”, diz. “Vivemos numa sociedade muito reacionária, com o saudosismo de um passado idealizado.” Olhar para trás é reconstruir então a trajetória de Jorge, seu pai e seu avô – todos chamados Jorge – e ver como o racismo se perpetua na vida desses homens. 

A estrutura do romance, dividido em três partes, é sagaz. Quando conhecemos o professor Jorge Ferreira Neto, ele aparece apenas como uma figura quase cômica, reclamão e mal-humorado. Mas, aos poucos, vai proferindo falas classistas, machistas, homofóbicas e racistas. 

A partir da história dos três Jorges, Pereira fala do racismo estrutural. “As possibilidades são negadas aos personagens. Quando há a possibilidade de ir para a escola militar, o Jorge Neto se agarra a isso, é a chance de alguma mudança”, diz. A segunda parte do livro é sobre o primeiro Jorge Ferreira, que nasceu pouco depois da abolição e foi o primeiro a ter alguma esperança. 

Por meio de Jorge Neto, o autor insere na trama a figura do presidente Lula, no momento de sua prisão, em 2018. No romance, o avião que o leva para Curitiba desaparece sem deixar vestígios. Para o personagem, Lula, naquele momento, deixa de existir, ao menos politicamente: “O Jorge é, certamente, aquilo a que chamamos de bolsominion. Ele jamais imaginaria que o Lula voltaria ao jogo político”. E muito menos que seria reeleito.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo