Cultura

Reclamações Aqui

Ultimamente, os brasileiros só não reclamam de uma coisa

"As pessoas andam reclamando dos taxistas que são contra o Uber e de quem é a favor do Uber"
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O meu pai vivia reclamando do meu cabelo comprido, dos meus tamancos suecos, da minha calça boca de sino, do som alto dos Monkees na minha vitrola 3 em 1.

Vivia reclamando da minha letra garrancho, da cama que eu não arrumava, da pasta de dente que eu deixava aberta em cima da pia, do pôster do Ho Chi Min que eu tinha dependurado no quarto e do sabonete derretendo no chão do box do banheiro. Acho que era só isso.

Hoje cedo, enquanto esperava a água esquentar pra passar o café, estava pensando como as pessoas andam reclamonas. Reclamam de tudo, inclusive da Folha de S.Paulo, que está magrinha, chata e parcial, aqui em cima da mesa do café, ao lado do vidro de geleia sem açúcar, porque andam reclamando que não podem mais comer açúcar porque açúcar faz mal.

As pessoas andam reclamando dos médicos que não examinam mais os pacientes e só sabem pedir exames e mais exames. Andam reclamando do preço do estacionamento, do valor da conta de luz que aumenta a cada mês, da Net que vive caindo e do azeite que não tem mais gosto de nada, apesar do sofisticado rótulo dizer tratar-se de uma tiragem limitada, colheita noite de luar.

As pessoas andam reclamando da novela das nove, dos comentaristas da CBN que são todos reacionários, da Coca-Cola Zero que está muito doce, do frio quando está frio e do calor quando está fazendo calor.

As pessoas andam reclamando das ciclovias do Haddad, das ruas cheias de carro, da quantidade de câmeras espalhadas pela cidade, do supermercado que põe um preço de oferta em um produto e quando você chega no caixa pra pagar é outro. E reclamam também que eles não dão mais saquinhos plásticos, o que consideram um absurdo.

As pessoas andam reclamando do governo da Dilma, dos taxistas que são contra o Uber, de quem é a favor do Uber e também dos motoristas do Uber que ficam te oferecendo guloseimas que só servem pra engordar.

Andam reclamando da Claro, da Tim, da Vivo e da Oi. Andam reclamando  do dólar acima dos quatro reais, do vizinho que mistura lixo orgânico com o lixo reciclável e andam reclamando também dos produtos orgânicos, que eles desconfiam não serem orgânicos coisa nenhuma.

As pessoas andam reclamando da empregada doméstica que nunca aparece pra trabalhar na segunda-feira e da diarista que recebe 150 reais e sequer passa um pano em cima da geladeira.

Andam reclamando da televisão aberta que não tem nada que presta, da TAM que não computou as milhas de um voo que fez de São Paulo até a Cidade maravilhosa e do biscoitinho que a Gol serve mesmo em voos tão longos.

Reclamam do estacionamento do shopping que ficou apertado, da fila do SUS, da fila do banco e até da fila de espera do restaurante Le Jazz, em Pinheiros.

As pessoas andam reclamando que nada funciona nesse país, da roubalheira generalizada, dos carteiros que estão em greve, das pessoas que vivem grudadas nos smartphones e não prestam mais atenção no que você está falando. 

Reclamam dos restaurantes que estão cobrando 50 reais por um prato de macarrão, da Veja que está uma bosta, reclamam da qualidade do ensino público, da falta de troco, das lojas que não aceitam mais cheques, da moradora do andar de cima que anda de salto alto fazendo toc toc toc até altas horas.

As pessoas andam reclamando do bebê inquieto que foi sentar bem na poltrona ao seu lado naquele voo até o Recife e do ar condicionado que gela o avião.

Pensando bem, as pessoas reclamam de tudo. Até do Chico Buarque estão reclamando. Só não vejo ninguém reclamando da Maria Julia Coutinho, a Maju, toda noite, maravilhosa no Jornal Nacional

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