Cultura

Plantador de violetas

Foi com elas que aprendi a não alimentar muitas esperanças nem ter muita confiança, mesmo na natureza

Galeria de ceasol/Flickr
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Houve um tempo em que minha paixão eram as violetas. Como muitas outras paixões, antes e depois dessa, minha paixão pelas violetas foi-se enredando em dificuldades até esmorecer e se acabar, pois assim, em geral, acabam as paixões. Cheguei a ter vinte pequenos vasos, todos eles cheios até a boca de material cuidadosamente preparado segundo todos os manuais disponíveis. Alguns dias depois de mergulhadas as folhas naquele material, não me lembro quantos, surgiam as folhinhas. Muito verdes, tenras, rechonchudas como bebês recém-nascidos.

Não falhava um só de todos aqueles vasos. Todos os dias voltava à minha plantação devidamente paramentado. Calçava umas botinas de mexer na terra, vestia uma blusa de brim e uma calça velha, botava na cabeça um chapéu de palha. Não importava que os vasos estivessem dentro de casa, protegidos contra o excesso de luz. Fazia parte do ritual, e eu era um jardineiro, ora. Todos os dias ia lá pingar algumas gotas de água por cima do pó de xaxim, tendo o cuidado de não molhar as folhinhas. E elas eram lindas, naquela inocência de quem está acabando de chegar ao mundo. Elas sorriam para mim, seu parteiro, um sorriso de agradecimento.

Depois de algum tempo, retirava a folha velha, já morta, e no vaso permanecia apenas o pequeno pé de violeta, agora devidamente desmamado. Pareciam crescer saudáveis, aquelas jovens bem nutridas, e eu acompanhava cheio de atenção aquele crescimento.

Chegava um dia (ainda segundo os manuais) que as plantas deveriam aproximar-se de uma janela, pois estavam necessitando de mais luz. E com que prazer o aprendiz de jardineiro ia colocando os vasos, um depois do outro, na soleira de janela, que uma tábua tornava maior para que coubessem todas as minhas violetas.

Ah, sim, depois das primeiras tentativas, aprendi que tanto mata a falta de água como seu excesso. As violetas, na verdade, dão belas lições de vida. E eu, aluno aplicado, botava água nos vasos com conta-gotas.

Elas atravessavam o ano belas, bem viçosas, senhoras de um verde deslumbrante. E as estações, ao sucederem-se, aumentavam minha ansiedade. Por que não floriam? Nenhuma delas floria, nem como prêmio de consolação. Não sei por quê, nunca descobri, mas minhas violetas nasciam estéreis.

Foi com elas que também aprendi a não alimentar muitas esperanças nem ter muita confiança, mesmo na natureza.

Hoje não planto mais nada, mas pelo menos não preciso usar chapéu de palha.

Houve um tempo em que minha paixão eram as violetas. Como muitas outras paixões, antes e depois dessa, minha paixão pelas violetas foi-se enredando em dificuldades até esmorecer e se acabar, pois assim, em geral, acabam as paixões. Cheguei a ter vinte pequenos vasos, todos eles cheios até a boca de material cuidadosamente preparado segundo todos os manuais disponíveis. Alguns dias depois de mergulhadas as folhas naquele material, não me lembro quantos, surgiam as folhinhas. Muito verdes, tenras, rechonchudas como bebês recém-nascidos.

Não falhava um só de todos aqueles vasos. Todos os dias voltava à minha plantação devidamente paramentado. Calçava umas botinas de mexer na terra, vestia uma blusa de brim e uma calça velha, botava na cabeça um chapéu de palha. Não importava que os vasos estivessem dentro de casa, protegidos contra o excesso de luz. Fazia parte do ritual, e eu era um jardineiro, ora. Todos os dias ia lá pingar algumas gotas de água por cima do pó de xaxim, tendo o cuidado de não molhar as folhinhas. E elas eram lindas, naquela inocência de quem está acabando de chegar ao mundo. Elas sorriam para mim, seu parteiro, um sorriso de agradecimento.

Depois de algum tempo, retirava a folha velha, já morta, e no vaso permanecia apenas o pequeno pé de violeta, agora devidamente desmamado. Pareciam crescer saudáveis, aquelas jovens bem nutridas, e eu acompanhava cheio de atenção aquele crescimento.

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Foi com elas que também aprendi a não alimentar muitas esperanças nem ter muita confiança, mesmo na natureza.

Hoje não planto mais nada, mas pelo menos não preciso usar chapéu de palha.

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