Cultura

Pesquisa resgata relevância do circo à música, tema ainda rejeitado

Lívia Mattos relata ainda situação dramática nas artes circenses com a pandemia

Crédito: Tiago Lima/Divulgação
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Há oito anos a cantora, compositora e sanfoneira Lívia Mattos vem registrando entrevistas com veteranos palhaços, trapezistas, contorcionistas, equilibristas, acrobatas, malabaristas, mágicos, entre outros, no que pode ser uma das mais amplas pesquisas no país sobre a música no circo, tema pouco explorado nos estudos sobre a história da arte no país.

Artistas do rádio e da televisão usavam o picadeiro como palco de shows, os remotos registros da indústria fonográfica foram de artistas circenses, os primeiros programas de televisão tiveram palhaços como apresentadores, e as bandas de circo difundiam a música de um lugar a outro.

“Essa inviabilização me parece uma postura burguesa, que renega uma arte de incursão popular, que não pertenceu aos salões das classes altas. O teatro faz uma seleção de memória que exclui o circo do seu bojo, sendo que a grande divulgação de peças, dramas e as chamadas comedinhas, aconteceram pelo circo e sua capacidade difusora devido a estrutura autoportante”, diz Lívia Mattos. 

O trabalho começou no curso de graduação de sociologia. Depois, seguiu a pesquisa junto com sua carreira artística. Hoje, ela reúne 49 entrevistas de artistas de circo com décadas de atividades. O mais velho entrevistado foi o palhaço Pinduca, que morreu em 2016 aos 100 anos. 

Cantores do rádio

Ela conta que o circo era o local onde artistas do rádio procuravam para se apresentar, como Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, Angela Maria, Orlando Silva, Dominguinhos, Agnaldo Timóteo, e por aí vai. O período do auge do circo como palco de shows foi entre 1940 e 1960, entre os tempos áureos do rádio e o surgimento da televisão. Artistas também atuavam em peças de circo-teatro.

Segundo a sanfoneira, o espetáculo de circo era composto, normalmente, por duas partes: na primeira, espetáculo de variedades circenses; na segunda, peça de circo-teatro ou apresentação de artistas da rádio e TV. Alguns narram a inclusão de uma terceira parte, com um show no picadeiro. “O Circo Nerino chegou a ter orquestra com 26 músicos. A banda ia para todos os lugares”, diz.  A instrumentista ainda relata que a dupla de música caipira Tonico e Tinoco chegou a criar uma companhia circense. “Eles faziam circo teatro e escreviam a própria peça”.

A pesquisadora explica que cada um dos entrevistados dá um relato pessoal e diferente sobre o declínio da apresentação musical no circo. Mas ela acredita que isso ocorreu por conta da remuneração baixa dos músicos e o fato de começar a concorrer fortemente com outros palcos para shows. “Mas até hoje a música do circo é realizada em lugar que não tem estrutura, e segue como difusor em pequenas cidades”.

O projeto irá virar um documentário, que está sendo viabilizado pelo programa Rumos Itaú cultural. Lívia Mattos dirige e roteiriza o trabalho. “Íamos lançar em fevereiro de 2021, mas agora com a pandemia, temos que reprogramar. Ainda tem uma etapa de filmagem a fazer. Estou aproveitando esse tempo para mergulhar mais nesse material que já tenho”.  A artista pretende também transformar a pesquisa em filme, livro e álbum: “É o meu projeto de vida”.

Carreira solo

Lívia Mattos nasceu em Salvador e já acompanha artistas de peso faz tempo, como Chico César, Rosa Passos e Badi Assad.  Em 2017 lançou seu primeiro álbum solo Vinha da Ida, com composições suas. Já participou de vários festivais no exterior, e realizou residência nos Estados Unidos após ser selecionada para o programa Onebeat, da Found Sound Nation (EUA).

Por causa da pandemia, muitos circos que ela tinha comunicação começaram a contatá-la para falar da situação difícil. A cantora então lançou a campanha “Viva o Circo Brasileiro”, que visa dar apoio ao circo de lona. “Os circos compartilham onde e como estão, apresentando as dificuldades desses tempos e solicitando ajuda para quem puder colaborar nesse momento. Divulgo os vídeos com as respectivas contas bancárias dos responsáveis dos circos, para quem quiser contribuir diretamente para eles”, explica. 

Lívia Mattos afirma que muitos artistas circenses estão passando necessidade. “O cotidiano dos circos de pequeno e médio portes, de forma geral, se dá pela subsistência advinda da renda dos espetáculos. Com o confinamento decorrente da pandemia, os circos se viram dependentes de doações”.

Recentemente, ela lançou o clipe?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> Olhos de Tereza, faixa de seu trabalho Vinha da IdaA música é dedicada à sua avó, que tem 68 anos de casada. Seus avós nasceram e tiveram filhos em Coqueiros do Paraguaçu, município de Maragogipe, no Recôncavo Baiano. O casal, que vive hoje em Salvador, é protagonista desse comovente clipe.

“Engraçado que minha avó era ‘galega da praça’ de Coqueiros e meu avô, caboclo da praia de rio. Quando começaram a namorar foi uma polêmica pelas diferentes origens. Minha avó era um ano mais velha do que meu avô e quando casaram o cartório diminui a idade da minha avó, porque era feio a mulher ser mais velha”.

Olhos de Tereza é a música que teve mais repercussão no álbum. “O clipe para os idosos e meu projeto no circo de veteranos mostram o protagonismo deles. São memórias em vida que importam sim, contra a lógica do governo ‘velhofóbica’ nesta pandemia”.

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