Cultura

Paulão produz CD sobre Geraldo Pereira e o “recoloca” na Mangueira

Um dos grandes produtores de samba gravou com a Velha Guarda Verde e Rosa

O mineiro Geraldo Pereira (Foto: Reprodução)
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Chegou o novo CD da Velha Guarda Musical da Mangueira. Desta vez, o trabalho exalta Geraldo Pereira, mineiro de Juiz de Fora, mas vivido no morro da Estação Primeira.

O compositor morreu jovem, não tinha nem 40 anos, mas deixou obra relevante e marcada pelo samba sincopado, padrão musical de acentuação rítmica ao longo de toda canção, como a clássica Sem Compromisso (“Você só dança com ele e diz que é…”), sucesso na interpretação de Chico Buarque (não, essa música não é do Chico, mas de Geraldo Pereira com Nelson Trigueiro!).

Paulão Sete Cordas conta que o CD ficou “como se Geraldo Pereira tivesse tocando no morro”. A proposta foi fazer uma leitura mais simples das composições desse sambista nascido há 100 anos, com violão, cavaco, bandolim, percussão, clarinete, flauta e trombone.

“Ficou um samba com batucada, uma ponta de cordas, um regional no meio e sopros na outra ponta, a serviço das vozes”, conta.

Geraldo Pereira foi gravado por grandes cantores da Era do Rádio, onde suas músicas recebiam arranjos para orquestra, com toque de gafieira, bem diferente da forma que era executada no morro e onde ele circulava primeiro o seu trabalho. Paulão então apostou na fórmula mais tradicional e de origem.

Chico Buarque e Mart’nália interpretam “Sem Compromisso”:

O CD, com 14 faixas, conta com vários clássicos de Geraldo Pereira e seus diferentes parceiros: além de Sem Compromisso, Falsa Baiana, Escurinho, Que Samba Bom (essas duas com Arnaldo Passos), entre outras. O disco tem ainda a participação de Alcione, Maria Bethânia, Leci Brandão e Zeca Pagodinho.

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A Velha Guarda da Mangueira é liderada hoje por Tantinho, talvez o maior sambista carioca na sua síntese depois de Monarco da Portela. Nelson Sargento também canta com a Velha Guarda. O pesquisador Haroldo Costa dirigiu o trabalho.

“Geraldo Pereira foi um compositor de uma magnitude enorme”, resume Paulão.

Produtor requisitado nos anos 2000

Dos vários nomes do samba surgidos e sambistas históricos que gravaram na virada dos anos 2000, Paulão Sete Cordas foi diretor musical de parte expressiva deles. “Tinha muita gente boa aparecendo”, lembra.

Naquela época o violonista produziu e fez arranjos de CDs de nomes emergentes como Wanderley Monteiro, Dorina e Marquinhos de Oswaldo Cruz, e de tarimbados, como Zé Luiz do Império, Luiz Grande e Tia Surica, que realizavam seus primeiros registros fonográficos.

Mas boa parte não conseguiu ganhar projeção além do mundo do samba. “O sucesso não depende somente do trabalho artístico. Precisa divulgar, colocar para tocar. Isso acabou prejudicando a projeção deles”, avalia.

Com 40 anos de carreira, Paulão começou a vida profissional com o admirável Nelson Cavaquinho, e há 30 anos acompanha e dirige os shows de Zeca Pagodinho.

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O produtor Paulão 7 Cordas (Foto: Netinho Albuquerque/Divulgação)

“Zeca é um sambista extraordinário, com interpretações originais de quem domina a linguagem do samba”.

Paulão afirma que os objetivo das apresentações e fazê-la soar como os discos de Zeca. A banda do sambista tem 12 integrantes, uma raridade em número de componentes no meio musical brasileiro.

O violonista hoje desenvolve um trabalho instrumental com seu filho, Ramon Araújo, num projeto em duo sobre música de Paulinho da Viola.

E diz pensar em um trabalho de samba com dois violões rebuscados, um percussionista e talvez um cavaquinho, “valorizando bem as harmonias”. O projeto deve ter como intérprete Tuco Pellegrino, paulista, portelense e profundo estudioso de sambas antigos das tradicionais escolas do Rio.

Grava-se pouco hoje

Sobre a produção musical atual, Paulão afirma que está bem reduzida fruto da crise. “Grava-se pouco. As pessoas fazem mais EP, com duas ou quatro faixas”, diz.

E ressalta que ainda está em andamento a forma adequada de gravar música. “As gravadoras ainda estão sob impacto da internet. Ela facilita, mas atrapalha, por outro lado, por que a gravadora tinha profissionais de pacote de divulgação do artista. Neste momento, está todo mundo se ajeitando aos novos formatos de apresentação de música”.

O violonista acha que o samba continua sem espaço, a não ser nos guetos tradicionais. Segundo Paulão, as próprias escolas de samba adotaram bailes e festas em suas quadras para arrecadar dinheiro, mas nem sempre com samba.

Também afirma que espaços de boa qualidade com suporte ao músico estão reduzidos. “Não adianta fazer no teatro e depender somente da bilheteria, pois a proporção que sobra para os músicos, dividida, mal paga o táxi”.

Paulão é defensor dos órgãos governamentais de cultura fomentarem projetos e atraírem patrocinadores, para a cultura popular se sobressair. “Enquanto isso não acontece, faz-se o que dá ou deixa. Menos parar. Tem que andar adiante, por que ninguém tropeça no que está atrás”, conclui.

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