Cultura

Para não desaparecer, projeto registra cantos sagrados indígenas do Acre

Álbuns e vídeos com músicas do povo Noke Koî revelam magnífica tradição da Amazônia

Registro dos cantos sagrados e ancestrais do Povo Noke Koî, população indígena do Acre. Foto: Instituto Terra Verde
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O povo Noke Koî da Amazônia vive hoje em terras indígenas nos municípios de Cruzeiro do Sul e Tarauacá, ambos localizados no norte do Acre. Trata-se de uma nação sobrevivente do Ciclo da Borracha no final do século XIX, período em que a população indígena da região diminuiu drasticamente em função de doenças e extermínio.

 

As suas tradições, no entanto, permaneceram e nas últimas décadas tiveram processo de fortalecimento. Leonardo Brandão, presidente do Instituto Terra Verde, centrado em desenvolver trabalhos junto aos povos indígenas do Acre, conta que em 2018 estava com um grupo de pessoas realizando um projeto com foco no plantio de alimentos, devido a insegurança alimentar local, para a aldeia Mutum dos Yawanawa, quando foi convidado pelas lideranças do povo Noke Koî para conhecer as terras deles ali próximas. 

Chegando lá, ouviu das lideranças de três aldeias diferentes que plantar era importante, como estava sendo promovido na aldeia vizinha, mas queriam acima de tudo registrar seus cantos, já que os velhos estavam morrendo e levando com eles este conhecimento.

“Apesar de anos de cativeiro e trabalho praticamente escravo nos seringais (no Ciclo da Borracha), quase todo o povo Noke Koî ainda fala a língua deles e participa das atividades tradicionais culturais e religiosas”, explica Leonardo Brandão. Ele conta que a história oral dos indígenas do Acre até hoje é marcada pelo genocídio e a escravização de índios no período de exploração dos seringais.

Segundo Leonardo, estes indígenas vivem seu dia-a-dia de forma muito próxima de seus antepassados e ancestrais, com forte presença da música nos rezos sagrados dos pajés, além das de costume. Tem ainda as músicas dos txanãs (guardiões dos cantos sagrados), jovens criadores de música na língua tradicional com inserção contemporânea, e pelos grupos musicais de cada uma das aldeias.

Assim, em janeiro de 2020, foram feitos os registros de áudio e vídeo dos cantos sagrados dos pajés, dos grupos musicais de quatro aldeias e dos txanãs, resultando em um total de seis álbuns digitais:  um com os cantos sagrados dos Pajés (saitî), um com músicas dos txanãs e um para aldeias do povo Noke Koî naquela região: Varinawa, Kamanawa, Samaúma e Bananeiras. Trata-se de um trabalho magnífico sobre os habitantes originários da Amazônia.

Todo o projeto tem o nome de Memória Ancestral – Cantos Sagrados do Povo Noke Koî e está sendo aos poucos disponibilizados nas redes sociais e plataformas digitais de música do Instituto Terra Verde, que com recursos próprios custeou a iniciativa. Será também prensado CDs de cada álbum para ser entregue aos indígenas para divulgação.

Espírito da floresta

Em novembro, foi disponibilizado no Youtube o álbum Saitîs – O Canto Sagrado dos Pajés Noke Koî. Saitîs são os cantos sagrados dos pajés. Cada pajé tem o seu saitî (rezo), recebido pelo espírito evocado da floresta. Sete pajés gravaram seus cantos no álbum e há registro em vídeo de algumas faixas, também disponível na plataforma digital. 

“Nosso canto traz cura, proteção, saúde, paz, alegria. Para fazer limpeza, afastar mal espírito”, explica o pajé Metsá, liderança da aldeia Varinawa. “A gente vem procurando resistir com nosso canto”.

Metsá explica que nunca tinham gravado os saitîs do povo Noke Koî. Toda a cerimônia a abertura é sempre com o canto do pajé. “É difícil, porque só pajé canta”, ressalta. Ele conta ainda que desde 2010 tem trabalhado na pesquisa do canto, da história e da medicina de seu povo, para poder repassar as próximas gerações.

Paka Kamanãwa, um dos mais talentosos txanãs, da aldeia Samaúma, diz ver com grande importância as pessoas conhecerem seu povo e sua cultura: “Quererem compartilhar rituais, conhecimentos da medicina, trocar ideias”. Há vídeo disponível no?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> canal do Terra Verde no Youtube de uma gravação com Paka Kamanâwa no violão e outros índios o acompanhando, além de um coro de índias. 

Também no mesmo canal, um vídeo dentro do projeto mostra o canto das mulheres Varinawa de forma sublime. Outro mostra o canto e a dança da mesma aldeia.  Além de Leonardo Brandão, produtor executivo do projeto, participam diretamente da iniciativa de registro do povo Noke Koî Rafael Tereso Tavares (produção musical) e Cristopher Douglas (captação de imagens). Todos são voluntários.

O Instituto Terra Verde, fundado por Leonardo e o agrônomo Eduardo Paiva, tem desenvolvido não só esse projeto de música, mas outros com o povo Noke Koî, que inclui segurança alimentar, plantio e agrofloresta, saneamento ambiental e geração de renda através do etnoturismo. A iniciativa em todas essas vertentes tem o nome de Aliança Noke Koî, e enfoca também registro, memória e divulgação da história, medicina sagrada e cultura daquele povo indígena. 

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