Cultura

Obcecado pela morte, Godard já havia tentado suicídio duas vezes: ‘No final, resta a esperança’

Cineasta franco-suíço, que morreu nesta terça-feira, 12, falou sobre colocar fim à própria vida em filmes e entrevista

Foto: Reprodução
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O cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard recorreu ao suicídio assistido, prática legal na Suíça, na última terça-feira, 13. Um próximo da família contou ao jornal Libération que o mestre do cinema moderno “não estava doente, apenas esgotado”. Já o relatório médico que justificou o procedimento apontou “múltiplas patologias incapacitantes”.

O assessor do diretor, Patrick Jeanneret, disse que Godard tomou a decisão com “grande lucidez” pois queria “morrer dignamente”. Ao longo da vida, Godard flertou com a morte algumas vezes. Ele inclusive tentou tirar a própria vida duas vezes. A primeira na metade dos anos 1960, após o fim do seu casamento com Anna Karina. A segunda vez aconteceu após uma briga com a sua então esposa, a atriz Anne Wiazensky. O caso aparece no livro de memórias de Wiazensky, “Um ano depois”. Ele chegou a ser internado em uma clínica psiquiátrica.

Camisa-de-força

Em uma entrevista de 2004, o cineasta disse que havia tentado o suicídio “de uma forma um tanto charlatã, para que as pessoas prestassem atenção em mim. Levaram-me a uma clínica psiquiátrica onde, para me impedir de fazer um gesto infeliz, me puseram numa camisa de força”.

O suicídio e a morte também são temas constantes nos filmes do cineasta. Como a antológica cena final de “O demônio das onze horas”, em que Jean-Paul Belmondo se amarra com dinamite. Logo antes de se explodir, arrepende-se e tenta se desamarrar o mais rápido possível. Só que tarde demais.

Coma após acidente

Godard também esteve perto da morte por acaso. Durante a preparação do filme “Tout va bien” (1972), o diretor sofreu um grave acidente de moto que o deixou em coma durante uma semana. Seguiram-se seis seis meses de internação e um ano de convalescença.

“Foi minha própria guerra civil, minha prisão. Outros fizeram o Vietnã, eu fiz o hospital”, lembrou ele em uma entrevista, “Eu queria a doença. Senti-me desafiado e aí comecei a ouvir”. Foi no hospital que ele aprofundou sua relação com Anne-Marie Miéville, que se tornaria sua última esposa. Os dois ficaram 50 anos juntos, até o suicídio assistido do cineasta, no dia 13 de setembro.

Sempre ativo até os últimos anos de vida, o cineasta já havia explicado em uma entrevista que poderia recorrer ao suicídio assistido. “Não estou ansioso de perseguir a qualquer preço. Se estiver doente demais, não tenho vontade alguma de ficar sendo arrastado em um carrinho de mão”, disse ele em uma entrevista em 2014.

“Eu poderia recorrer ao suicídio assistido”, continuou. “Por enquanto, ainda é muito difícil. Recentemente, a Europa julgou a Suíça errada em um julgamento sobre uma mulher que não tinha nada, mas queria desaparecer. Os médicos disseram não quando os padrões europeus permitem isso”, continuou Godard.

Último passeio com os cães

O taxista Gino Siconolfi, que teve o cineasta como cliente nos últimos 20 anos, contou à imprensa suíça que, três semanas antes de morrer, levou Godard para fazer um passeio com seus cachorros no lago da pequena cidade em que morava na Suíça, Rolle. “Senti que ele estava muito cansado. Ele disse que foi a última vez que passearia com seus cachorros na beira do lago”, disse Siconolfi.

Em outra entrevista para o programa 28 Minutes, ele falou sobre o suicídio de forma poética: “No final, resta a esperança. Esperança, sim. Em tom de brincadeira, o (escritor suíço) Denis de Rougemont disse: ‘Só estamos salvos na esperança. Mas essa esperança é verdadeira'”.

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