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O show tem de continuar

A nova e derradeira turnê do Kiss, denominada ‘Fim da Estrada’, chama a atenção para a saída de cena das bandas capazes de lotar os estádios

Ocaso. O Kiss, surgido nos anos 1970, prepara sua última aparição no País. O Iron Maiden, criado em 1975, virá para o Rock in Rio, mas fala-se na aposentadoria do grupo - Imagem: John MCMurtrie e Kiss On Line/Official
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Na terça-feira 26, o Kiss inicia uma miniturnê pelo Brasil. Serão quatro apresentações – Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Ribeirão Preto – nas quais o quarteto mascarado exercitará sua receita de música e circo: explosões, artistas que cospem sangue e fogo, guitarras que voam, bateria que levita e um rock-n’-roll feito de muitos decibéis a mais.

Esta vinda não é nenhuma novidade, visto que, desde 1983, o País está na rota da banda norte-americana. A diferença está nas circunstâncias das performances: elas são parte da turnê End of the ­Road (Fim da Estrada), que marca a despedida de Paul Stanley (guitarra e vocais), Gene Simmons (baixo e vocais), Tommy Thayer (guitarra) e Eric Singer (bateria) dos palcos – ao menos sob o nome Kiss.

Essa tem sido uma situação corriqueira: veteranos do rock saindo de cena por conta do estado de saúde de seus integrantes. Ozzy Osbourne, do Black ­Sabbath, sofre do mal de Parkinson. Phil Collins, do Genesis, tem de se apresentar sentado e perdeu a sensibilidade de alguns dos dedos. Há dúvidas também sobre o quanto Iron Maiden, Deep Purple e Whitesnake, três bandas da era de ouro do rock pesado, se manterão na ativa.

Os grandes eventos buscam alternativas aos nomes veteranos do rock-n’-roll

“Pois é, a partir de amanhã teremos de arrumar empregos de verdade”, brincou Collins, ao anunciar que o dia 26 de março marcaria a última apresentação do trio. Embora carregada de ironia, a declaração do vocalista dá conta de uma realidade: o envelhecimento ou o fim das grandes bandas dos anos 1970. Tudo isso é natural, mas suscita uma pergunta: a indústria do entretenimento tem à mão outras atrações capazes de lotar os grandes estádios? O ocaso do rock como a música das multidões parece colocar-se como um desafio e tanto para o show biz.

“Nos últimos 40, 50 anos, essas bandas se beneficiaram de todas as mudanças tecnológicas: LP, CD, MP3 e streaming, tendo sido capazes de renovar o público e, em muitos casos, até aumentar a popularidade em todas as faixas etárias”, diz José Muniz, da Mercury Concerts, empresa que traz o Kiss ao Brasil. “Mas chegamos ao fim da era na qual as grandes bandas de rock dominaram a cena musical.”

O gênero, surgido no fim dos anos 1950, tornou-se popular duas décadas depois, quando bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple passaram a contar com equipamento suficiente para tocar em estádios e arenas. Grupos tradicionais, como os Rolling Stones, também se adaptaram para espaços maiores.

O Kiss, nos anos 1970, transformou os shows em superproduções, repletas de efeitos visuais e sonoros que alimentaram o gosto lúdico de seus admiradores. Essa receita seria posteriormente adaptada por outras bandas de rock pesado. O Iron Maiden chegou a trazer para o palco réplicas de pirâmides e de aviões.

Passagem do tempo. O Skank está em turnê de despedida. Phil Collins, do Genesis, tem de se apresentar sentado – Imagem: Thomas Coex/AFP e Weber de Pádua/Skank Oficial

A era dos festivais, iniciada com ­Woodstock, em 1969, foi outro fator importante para a popularização do gênero entre os jovens. O rock, que era símbolo de contestação, foi, aos poucos, se moldando à indústria do entretenimento. O Rock in Rio, em 1985, e o Lollapalooza, criado em 1991 nos Estados Unidos, souberam misturar a pegada engajada – como a defesa do meio ambiente e de causas sociais – e a diversão, com atrações circenses e brinquedos de parques. Isso tudo aliado de uma escalação musical de peso.

Mas, desde o início dos anos 2000, o rock foi perdendo seu apelo junto às grandes plateias e, especialmente, aos jovens, que passaram a trocá-lo por hip-hop, ­dance music ou um pop embebido por influências de música negra. A despeito do sucesso, esses novos grupos não têm, porém, o mesmo poder de mobilização.

Enquanto os veteranos se mantêm ativos, o gênero garante a viabilidade dos grandes eventos. Mas e agora que os grupos estão saindo de cena? “Faz pelo menos dez anos que o mundo do show biz se faz essa pergunta”, confessa Roberto Verta, executivo da Sony Music.

Theo van der Loo, guitarrista e baixista do Ego Kill Talent, banda brasileira que persegue uma carreira no mercado internacional, percebe que Estados Unidos e Europa têm preparado bandas para que ganhem popularidade suficiente para fechar uma noite de festival. “Eles vão dando um espaço cada vez mais maior para os grupos, a fim de que eles assumam o posto de destaque de um grupo veterano”, diz.

No Brasil, tal estratégia esbarra no conservadorismo do público. Grupos como o sueco Ghost e o dinamarquês ­Volbeat destacam-se nos festivais de ­rock mundo afora, mas são pouco conhecidos pela massa de roqueiros no Brasil.

Bandas que têm ganhado espaço nos EUA e na Europa ainda são de nicho no Brasil

“Os últimos headliners do segmento rock a aparecer foram o Coldplay, 15 anos atrás”, diz André Matalon, diretor da Music On, empresa que trabalha com grupos locais e internacionais. Hoje em dia, astros pop são a escolha natural para fechar a noite de um grande festival, mas, ao mesmo tempo, representam algum risco em termos comerciais.

O Rock in Rio é um exemplo de evento que, ao mesmo tempo que se ancora em veteranos, como Iron Maiden e Guns N’Roses, procura abrir-se para astros emergentes do pop e apostar em nomes que mais tarde acabam por se consagrar.

“Realizamos pesquisas para saber o que as pessoas querem ver e ouvir e ficamos de olho em tudo que acontece na indústria da música”, diz Luís Justo, CEO do Rock in Rio. “Sabemos o quão rápido o mercado funciona e, por isso, temos de estar ligados nos artistas que surgem, além dos hits que fazem sucesso mundo afora.” As últimas edições apostaram em bandas emergentes, como Imagine Dragons e 30 Seconds to Mars, para fechar a noite e manter a conexão do festival com o rock.

A próxima edição, em setembro, já está com ingressos esgotados. Ao lado das duas velhas bandas estarão o Mäneskin, grupo italiano que se tornou sensação na Europa, o Sepultura, tocando com a Orquestra Sinfônica Brasileira, os pop stars Dua ­Lipa e Justin Bieber, e o DJ brasileiro Alok.

Além de integrar o line up do Rock in Rio, Iron Maiden e Guns N’Roses farão apresentações-solo por algumas cidades. Antes, em maio, o Metallica fará apresentações em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Belo Horizonte.

No caso das bandas brasileiras dos anos 1970 e 1980, há desde as que são exemplos de durabilidade – Made in Brazil, ­Patrulha do Espaço, Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho e Titãs – até as que encerrem suas atividades por, simplesmente, não verem motivos para continuar.

O Skank, principal grupo pop do Brasil na década de 1990, anunciou em 2019 uma pausa na carreira. Ele está fazendo uma turnê de despedida pelo País, sempre de casa cheia, que se estenderá por 2022.

Não bastassem as contingências da passagem do tempo, o mundo do rock foi, recentemente, abalado por uma fatalidade. Os Foo Fighters, uma das poucas bandas com performance e repertório para segurar uma plateia de estádio, foi atingida, no mês passado, pela morte de seu baterista, Taylor Hawkins.

Que os mega-shows devem continuar todos na indústria sabem. De que forma é o que se tenta entender.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1205 DE CARTACAPITAL, EM 27 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O show tem de continuar”

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