Cultura

O pessoal se torna político em ‘Um álbum para Lady Laet’

No novo romance, o pernambucano José Luiz Passos investiga a contemporaneidade e o corpo por meio de personagens imigrantes em Los Angeles

O escritor José Luiz Passos (Foto: Fernanda Fiamoncini/Divulgação)
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José Luiz Passos é um escritor que não para quieto. Ao longo de sua entrevista com CartaCapital, via Zoom, ele se levanta diversas vezes, vai até a enorme estante atrás dele, pega livros, procura uma caderneta para mostrar como é seu processo de escrita. Por fim, aponta para câmera um de seus antebraços, marcado por uma tatuagem de Moby Dick. “Quando procurei o tatuador, ele veio com uma sugestão de baleia que parecia coisa da Disney”, conta, se divertindo. 

Depois se levanta, novamente, vai até a estante, pega um exemplar do romance, e mostra de onde veio o desenho. “É a mesma que Melville usou na edição original. Eu amo esse livro, tenho vários exemplares.” Como sua tatuagem, as marcas no corpo são uma questão fundamental em seu novo romance, Um álbum para Lady Laet (Alfaguara, 128 páginas, 54,90 reais).

Nascido em Catende (Pernambuco), Passos mora em Los Angeles desde os anos de 1990, quando foi fazer uma pós-graduação. Acabou se tornando professor na Universidade da Califórnia. Mesmo distante há tantos anos do Brasil, o País sempre foi o tema central em sua obra, que inclui O marechal de costas (2016) e Nosso grão mais fino (2009). Neste livro mais recente, contudo, o autor traz sua narrativa para a cidade americana.

“Eu queria fazer um livro diferente dos outros, mais contemporâneo e pós-moderno, e também queria falar sobre a vida dos imigrantes”, explica. 

Um álbum para Lady Laet tem no centro uma mulher brasileira, Lucineide, que se muda para Los Angeles para tentar reconstruir a história de sua mãe, a cantora Lady Laet, uma figura-central na cena do rock dos anos 80. As duas nunca chegaram a se conhecer. 

Em seu romance anterior, O marechal de costas, Passos foi abertamente político, juntando duas pontas da história do Brasil: o impeachment de Dilma e o marechal Floriano Peixoto, uma figura importante no início da República no país. Em Lady Laet, no entanto, a estratégia é outra: o pessoal é político, e para isso ele se vale da sua própria experiência. 

“Eu sou um imigrante aqui. Sou um professor universitário, o que, obviamente, é uma experiência diferente de um imigrante ilegal, mas ainda assim, não tenho cidadania americana”, compara. “Não posso votar para presidente no país onde moro, mas posso votar para presidente brasileiro no Consulado.” 

Para narrar o romance, no entanto, Passos precisou construir a voz de uma mulher brasileira – um desafio para um autor masculino e cisgênero, mas do qual ele não se furtou. “Conversei com diversas amigas, mostrei o livro. Elas leram, deram sugestões e fizeram várias correções para que a protagonista se tornasse mais verossímil.”

O romance começa com um pequeno monólogo de um homem transexual – outro desafio para o autor, que tirou inspiração para criar Pablo de uma notícia de jornal, quando leu sobre o primeiro boxeador trans a vencer uma luta como profissional. “Lidar com corpo é uma parte importante para mim, para minhas narrativas. Eu achei a história dele fascinante. Além disso, a personagem é também sobre a liberdade da literatura: alguém que não é Pablo pode escrever sobre ele. Quero que Pablo seja parte de mim.”

Se o político e o pessoal se confundem, nesse sentido, se valer o corpo como uma ferramenta de transformação é fundamental, segundo o escritor. “As trajetórias pessoais e os corpos são a dimensão de contestação desses sujeitos globalizados e multilíngues, imperfeitamente poliglotas, que estão nesse romance.”

Na pós-modernidade, o tempo é percebido com um fluxo sem demarcação. Passado, presente e futuro se confundem como algo único, exatamente como ocorre no romance. Trata-se, naturalmente, de uma escolha proposital. “Eu queria fazer o livro mais contemporâneo que já escrevi, e a história se dá como uma live de Instagram, e isso só fica claro com o tempo. Assim, pude investigar como a tecnologia está presente em nossa vida, como molda nosso olhar.”

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