Cultura

O melhor é o pior

Já lá vai um bom tempo em que convivemos com esta ideia: bom é o ruim

Foto: Wmforo.com
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Já lá vai um bom tempo em que convivemos com esta ideia: bom é o ruim. Ultimamente, contudo, a ideia vem-se tornando a tal ponto epidêmica que as vozes da oposição tornam-se cada vez mais tímidas, cochichadas entre amigos muito íntimos, à luz de velas e em salas completamente fechadas (não haja por aí alguma traição). São verdadeiros inconfidentes, os que ousam manter opinião contrária. Até mesmo aquela frase do Nelson Rodrigues “Toda unanimidade é burra”, citada à revelia e em qualquer circunstância, perdeu seu estatuto de afirmação inteligente. Pelo menos por uma questão de princípio você tinha de discordar, mas a discordância, no presente caso, caiu em desgraça.

Posso estar enganado, mas a ideia de que o melhor é o pior, pelo menos como agora me ocorre à lembrança, começou com a afirmação de que bom cantor é aquele que não tem voz. Fazia-se a revisão estética da música popular e os “vozeirões” incomodavam ainda. Alguém se lembra ainda do Vicente Celestino? Realmente, uma de suas canções ficou muito melhor na voz do Caetano Veloso (que tem voz, mas não vozeirão, você me entende?) A solução foi cair no extremo oposto.

O assunto foi-me sugerido por uma velha coluna de meu amigo Deonísio da Silva, esse catarinense que teria chegado a Papa não fosse sua vocação muito mais a salvação da alma com toda sua embalagem do que apenas essa entidade sem nada a envolvê-la. O Deonísio publicou no Observatório da Imprensa há muitos anos uma coluna em que, elegantemente, denuncia o espírito do “tanto faz”, um dos produtos derivados de “o bom é o ruim”. O Deonísio é um homem corajoso, porque não se submeteu à onda.

Em literatura, a bossa, é escrever mal. Em lugar de incluir os excluídos, vamos excluir os incluídos, que é mais fácil, e o resultado imediato é que fica tudo nivelado. Antigamente diríamos por baixo, mas a ideia de alto e baixo é uma geografização preconceituosa da estética, não é? Pelo menos foi isso que ouvi de uma pessoa que até tem algum trânsito no assunto.

Meu temor é o de que algumas pessoas não entendam que bom cantor é aquele que não tem voz e bom escritor, como disse o Deonísio, é aquele para quem a Regência Verbal foi abolida pela República. Sim, porque se elas não entenderem isso, que é elementar, como vão aceitar que bom engenheiro não pode conhecer cálculos nem materiais e bom médico não sabe de que lado fica o coração?

Aqui mesmo, em Ribeirão Preto, me contaram que uma professora universitária, vinda de outra cidade para um evento cultural, teria afirmado que “basta você abrir a boca e já está fazendo literatura”. Foi uma descoberta que me encheu de esperança. Seguindo ao pé da letra seu pensamento, cheguei à conclusão de que sou possuidor de uma fortuna. Se o “Cabeça de mulher”, de Picasso, foi vendido por dez milhões de dólares, por quantos milhões vou poder vender minha casa? Você não entendeu? Ora, o Fiúca, que pintou minha casa no ano passado, “abriu a boca” por uma superfície mil vezes maior do que aquela do pintor espanhol. Então, se tanto faz, tenho ou não razão para me encher de esperança? Tanto é pintor o Fiúca quanto o Pablo Picasso.

“Estão verdes estas uvas.” Muitas vezes, nestes últimos tempos, tenho-me lembrado dessa frase do Esopo que vem rolando invicta pelos séculos. Há muita raposa por aí procurando qualificação, porque, enfim, “o bom é o ruim”. E como diria meu amigo mineiro Edwaldo Arantes, citando expressão que em Minas serve pra tudo: “Às veis…”.

Já lá vai um bom tempo em que convivemos com esta ideia: bom é o ruim. Ultimamente, contudo, a ideia vem-se tornando a tal ponto epidêmica que as vozes da oposição tornam-se cada vez mais tímidas, cochichadas entre amigos muito íntimos, à luz de velas e em salas completamente fechadas (não haja por aí alguma traição). São verdadeiros inconfidentes, os que ousam manter opinião contrária. Até mesmo aquela frase do Nelson Rodrigues “Toda unanimidade é burra”, citada à revelia e em qualquer circunstância, perdeu seu estatuto de afirmação inteligente. Pelo menos por uma questão de princípio você tinha de discordar, mas a discordância, no presente caso, caiu em desgraça.

Posso estar enganado, mas a ideia de que o melhor é o pior, pelo menos como agora me ocorre à lembrança, começou com a afirmação de que bom cantor é aquele que não tem voz. Fazia-se a revisão estética da música popular e os “vozeirões” incomodavam ainda. Alguém se lembra ainda do Vicente Celestino? Realmente, uma de suas canções ficou muito melhor na voz do Caetano Veloso (que tem voz, mas não vozeirão, você me entende?) A solução foi cair no extremo oposto.

O assunto foi-me sugerido por uma velha coluna de meu amigo Deonísio da Silva, esse catarinense que teria chegado a Papa não fosse sua vocação muito mais a salvação da alma com toda sua embalagem do que apenas essa entidade sem nada a envolvê-la. O Deonísio publicou no Observatório da Imprensa há muitos anos uma coluna em que, elegantemente, denuncia o espírito do “tanto faz”, um dos produtos derivados de “o bom é o ruim”. O Deonísio é um homem corajoso, porque não se submeteu à onda.

Em literatura, a bossa, é escrever mal. Em lugar de incluir os excluídos, vamos excluir os incluídos, que é mais fácil, e o resultado imediato é que fica tudo nivelado. Antigamente diríamos por baixo, mas a ideia de alto e baixo é uma geografização preconceituosa da estética, não é? Pelo menos foi isso que ouvi de uma pessoa que até tem algum trânsito no assunto.

Meu temor é o de que algumas pessoas não entendam que bom cantor é aquele que não tem voz e bom escritor, como disse o Deonísio, é aquele para quem a Regência Verbal foi abolida pela República. Sim, porque se elas não entenderem isso, que é elementar, como vão aceitar que bom engenheiro não pode conhecer cálculos nem materiais e bom médico não sabe de que lado fica o coração?

Aqui mesmo, em Ribeirão Preto, me contaram que uma professora universitária, vinda de outra cidade para um evento cultural, teria afirmado que “basta você abrir a boca e já está fazendo literatura”. Foi uma descoberta que me encheu de esperança. Seguindo ao pé da letra seu pensamento, cheguei à conclusão de que sou possuidor de uma fortuna. Se o “Cabeça de mulher”, de Picasso, foi vendido por dez milhões de dólares, por quantos milhões vou poder vender minha casa? Você não entendeu? Ora, o Fiúca, que pintou minha casa no ano passado, “abriu a boca” por uma superfície mil vezes maior do que aquela do pintor espanhol. Então, se tanto faz, tenho ou não razão para me encher de esperança? Tanto é pintor o Fiúca quanto o Pablo Picasso.

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