Cultura

O conto do vigário

O dia em que o papa Francisco sentou-se ao meu lado num voo para Porto Alegre

Apoie Siga-nos no

Jornalista de sorte sempre está no lugar certo e na hora certa. Faltavam vinte minutos para as oito da noite quando entrei naquele avião branco e laranja da Gol com destino a Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Fazia muito frio, uma corrente de vento vinha lá de fora, de uma São Paulo cujos termômetros marcavam 13 graus na Avenida dos Bandeirantes.

As pessoas foram entrando cheias de sacolas, arrumando um pacote aqui, outro ali, no lugar reservado para as bagagens de mão. Através da janelinha oval, vi um certo burburinho lá fora, ao pé da escada que leva os passageiros até a aeronave. Uns fotografavam, uns faziam selfie, outros pediam autógrafo. No meio do buchicho, muito simpático e sorridente, ninguém mais, ninguém menos que Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco. Pelo menos, era a cara dele.

Eu tinha lido na edição de sexta do jornal La Repubblica que o papa Francisco tiraria mesmo alguns dias de folga, aproveitando o início do verão, que não é brincadeira pros lados do Vaticano. Imaginei que iria pra Castel Gandolfo descansar, nunca para Porto Alegre.

Apesar da neblina lá fora, vi Francisco subir bem devagar os degraus e, de repente, entrar no avião. Cumprimentou as comissárias de bordo e com uma pasta de couro na mão, foi caminhando pelo corredor. Passou pelas poltronas de número 1, 2, 3… e foi chegando bem perto de mim, que estava na 6B. Ele conferiu o número do seu assento no ticket de embarque e começou a instalar-se ali, bem ao meu lado.

Cara de sorte, sou eu! Pensei.

Sim, Francisco sentou-se na poltrona 6A, a da janela. Esperei que ele se acomodasse pra puxar conversa, fazer a primeira pergunta. Não sabia se o chamava de Papa, Vossa Santidade, Santíssimo Padre ou simplesmente Francisco. Mas, como jornalista, não poderia perder aquela chance que caiu do céu.

– Vai pra Porto Alegre? Perguntei.

Num português correto, apenas com um leve sotaque, ele respondeu.

– Sim, aproveitei os dias de folga para ver o jogo Argentina e Nigéria.

Lembrei que o papa é chegado numa bolinha e emendei a conversa.

– Está gostando da sua Argentina?

– A seleção não está mostrando todo o seu potencial. Mas nós temos Messi e quem tem Messi, tem Deus.

– Viu os primeiros jogos do seu país?

– Sim, vi pela televisão. Não foi fácil passar pela Bósnia-Herzegovina e pelo Irã. Mas o que importa é que ganhamos.

– E o Brasil, o que tem achado?

– Na minha opinião, vai pra final com a Argentina.

– Mexeria no nosso time, Francisco?

A essa altura já estava chamando o papa de Francisco, que respondia tudo com muita presteza.

– Tiraria o Paulinho. Ele não tem feito grandes coisas, está encabulado, meio perdido em campo.

– O que achou da eliminação da Espanha e da Inglaterra?

– Ninguém é invencível, meu filho. Ninguém é forte o suficiente para nunca cair. Mas saberão levantar novamente, com certeza.

– O que acha daquele movimento que dizia que não teríamos Copa?

– As pessoas estão inquietas, algumas insatisfeitas. É normal, nesse mundo conturbado em que vivemos. Mas tinha certeza que assim que começasse o jogo Brasil e Croácia, todos os olhos estariam voltados para o grande espetáculo que é o futebol.

– Fica no Brasil até o final da Copa?

– Não posso. Depois de Argentina e Nigéria, passo dois dias em Buenos Aires para rever parentes e velhos amigos. Depois volto direto para Castel Gandolfo, pois tenho alguns compromissos de verão e um encontro marcado com Bento XVI.

As luzes se apagaram, o papa virou de lado, deixando claro que queria dar uma cochilada. Quando a aeromoça avisou que poderíamos usar nossas engenhocas em modo avião, comecei a digitar essa entrevista pra enviar rapidinho pra CartaCapital.

Não é todo dia que a gente encontra um Papa, um Felipão ou coisa parecida, num voo assim da Gol. E eu não poderia perder um furo como esse, não é mesmo?

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo