Cultura

Noca da Portela, 90 anos: ‘Não sou produto da mídia. Minha história foi de samba e suor’

Sambista recebe ‘flores em vida’ com lançamento de projeto audiovisual e shows — dois deles neste sábado 11 e domingo 12, no Sesc Pompeia, em São Paulo

Foto: Reprodução
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Noca da Portela faz parte da memória viva do samba do Rio de Janeiro que desceu o morro, se reuniu nas escolas e ocupou o asfalto. Isso foi no começo da segunda metade século passado, quando os sambistas passaram a ter maior protagonismo da arte que faziam – com uma produção profícua do gênero.

Ele conta que quando chegou à Portela nos anos 1960 foi logo questionado pela ala de compositores se sabia compor samba. Foi instado a fazer um para mostrar habilidade na tarefa antes de ter ingresso oficial ao nobre grupo de autores da escola de Oswaldo Cruz, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Noca fez logo dois sambas, sendo que um — composto em parceria com Colombo e Picolino — é Portela Querida, que acabou se tonando um dos “hinos” informais da escola.

“Para concorrer com samba-enredo, naquela época, o sambista tinha que saber fazer samba de terreiro para provar que era compositor”, lembra. Samba de terreiro, que depois teve o nome de samba de quadra, eram composições feitas por sambistas reunidos na própria escola fora da época de carnaval – há um sem números de sambas conhecidos que saíram desses grupos, atualmente restrito a poucas escolas.

“Hoje, todo mundo ia ser reprovado. Samba-enredo acabou a tradição. É uma coisa horrorosa. O cara leva a sinopse do samba-enredo ao escritório e consegue intérprete, torcida, ônibus – o cara entra na parceria e não sabe fazer nada. Se o samba-enredo ganhar divide a grana”, lamenta.

Os chamados escritórios inscrevem sambas-enredos em várias escolas, financiam a participação na disputa, impulsionam apoiadores, mas por se afastarem da realização de uma composição autêntica (como antigamente), são alvos de críticas por todos os lados.

Noca tem quase 500 músicas gravadas entre marchas, sambas-enredos, sambas de bloco, sambas de terreiro. Entre suas músicas mais conhecidos estão: É Preciso Muito Amor (com Tião de Miracema), Vendaval da Vida (com Delcio Cavalho), Caciqueando, Peregrino (com Toninho Nascimento) e Alegria Continua (com Mauro Duarte).

Tem música engajada também, como Virada, gravada por Beth Carvalho e integrada ao movimento das Diretas Já. Foi ainda militante do PCB. Na Portela, ganhou sete sambas-enredo, um recorde.

Nascido em Leopoldina (MG), foi criança para o Rio de Janeiro onde viveu parte da vida entre os morros da cidade – atualmente, mora no bairro da Zona Norte Engenho de Dentro.

Um projeto audiovisual será lançado depois do carnaval para comemorar seus 90 anos, completados no último dia 12 de dezembro. O registro tem origem de um show gravado em janeiro. Participam da gravação desde Zeca Pagodinho e Jorge Aragão à Velha Guarda da Portela. “Estou recebendo flores em vida”, resume o trabalho.

Shows também estão agendados para comemorar nove décadas do sambista. Neste sábado (11 de fevereiro) e domingo (12), Noca da Portela canta com o grupo Inimigos do Batente no Sesc Pompeia (acesse aqui mais informações), tendo como convidados Verônica Ferriani e Silvio Modesto.

Noca conta que nesse show do Sesc vai mostra ao público três músicas que fez com seu neto, o músico Diogão Pereira, que o acompanha há cerca 10 anos. “Ele é meu herdeiro”, diz.

Depois do carnaval recomeça os shows de comemoração dos 90 anos, incluindo Belo Horizonte, Salvador e Recife. “É muito gratificante receber reconhecimento de 72 anos de samba. É uma coisa divina. Sou um cara do povo”, afirma.

O Brasil agora é governado pelo seu velho conhecido, Lula. “Com a vitória dele fiquei esperançoso porque pelo menos vamos ter uma pessoa mais humana no comando da nação”, conta.

O sambista diz que quando foi secretário estadual de cultura do Rio de Janeiro (2006) recebeu propostas indecentes e poderia ter ficado rico. Mas preferiu manter a dignidade, ressaltou. “O samba é a identidade do Brasil no mundo inteiro”, afirma. “Não sou produto de mídia. Minha história foi escrita com samba, suor e lágrima”.

A CartaCapital já resenhou a extensa biografia de Noca da Portela (lançada em 2019), que contextualiza a história de um negro de vida difícil no Rio de Janeiro e as andanças pelos sambas da cidade – disponível aqui.

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