Cultura

Livro sobre Noca da Portela traça o caminho das questões sociais do RJ

Autor da recém-lançada obra, Marcelo Braz insere o biografado na história da cidade

Noca da Portela (foto: Pedro Gigante/Divulgação)
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Noca nasceu em 1932 na cidade de Leopoldina, na Zona da Mata mineira. Cinco anos depois a família numerosa se mudou para o Rio, em busca de uma vida melhor com a crise do café que atingiu em cheio Minas Gerais.

Seguiu para o Catete e depois Botafogo, onde viveu em cortiço, habitação coletiva que marcou a ex-capital federal. Acossado pela especulação imobiliária, que avançava na Zona Sul, o então feirante foi parar num barraco no Morro Azul, no Flamengo.

Em 1953, seguindo a corrente da movimentação de habitantes do Rio sem muitos recursos à Zona Norte, mudou-se para o Morro do Tuiuti, em São Cristóvão, onde conheceu sua esposa. Permaneceu lá por duas décadas.

Só veio a ter casa própria aos 50 anos no Engenho de Dentro, após conseguir juntar dinheiro na época fruto principalmente por produzir um dos grandes sucessos do carnaval de todos os tempos: “É preciso muito amor, para suportar essa mulher…”, de Noca e Tião de Miracema.

Hoje aos 86 anos, o sambista vive na mesma residência no Engenho de Dentro. Sua passagem na antiga Zona Sul, principalmente por volta de 1950, foi essencial para sua formação musical, pois lá encontrou agremiações carnavalescas e muita gente bamba, como Mauro Duarte e Walter Alfaiate.

A ida para São Cristóvão nem se fala. Envolveu-se com a G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti, onde fez inúmeros sambas. Em 1966 foi convidado por Paulinho da Viola para se integrar à ala de compositores da Portela, quando incorporou a escola ao seu nome artístico.

A primeira década na grande agremiação de Oswaldo Cruz não foi suficiente para transformar a música de Noca em ganha-pão descente, embora ele produzisse bastante e já vinha sendo gravado por vários cantores.

Obra contextualiza a história de um negro

O livro Noca da Portela e de Todos os Sambas (Editora Outras Expressões), de Marcelo Braz, conta essas passagens da vida do sambista contextualizadas com a história do samba de um negro pobre.

A obra de quase 500 páginas, terceiro volume do projeto de extensão da UERJ intitulado Acervo Universitário do Samba, tem valor justamente pela permanente preocupação do acadêmico e pesquisador Braz em posicionar exaustivamente Noca dentro das circunstâncias existentes em cada época vivida por ele.

Capa do livro “Noca da Portela e de todos os Sambas”, de Marcelo Braz

Todas as questões envolvendo Noca o transformam em um personagem peculiar em relação a outros baluartes conhecidos do samba carioca, que têm, em geral, históricas relações com o universo de suas escolas e/ou comunidades onde nasceram.

Noca da Portela não nasceu no Rio. Embora conhecido com o sobrenome da Portela, teve ligação forte com mais de uma agremiação carnavalesca de expressão, a Paraíso do Tuiuti, onde também compôs e venceu disputas de samba-enredo (na Portela venceu sete vezes).

Sambista de vários lugares e momentos

Além disso, o sambista compôs para vários blocos importantes da cidade e responsáveis pelo ressurgimento do carnaval do Rio, como Barbas e o Simpatia é Quase Amor, frequentados pela classe média da Zona Sul carioca, diferente, portanto, do público de escola de samba.

Marcelo Braz explora a história do samba tendo Noca como memória viva. E descreve a transição dos sambas-enredo e dos sambas de terreiro para o de quadra, realizado no meio do ano e que hoje acabaram nas escolas.

Isso fez o samba chegar aos fundos dos quintais, cujo exemplo maior é o Cacique de Ramos, movimento para o qual Noca (com Amauri e Valmir) fez um emblemático samba: Caciqueando (“Olha meu amor, esquece a dor da vida…”).

Noca teve também músicas engajadas, como Virada (composto com um dos filhos) gravado por Beth Carvalho e adotada no movimento das Diretas Já. Foi ligado à política, seguindo a veia de seu pai, comunista, que lhe deu um quadro com a foice e o martelo antes de partir. Candidatou-se a vereador no Rio e foi secretário estadual de cultura do Rio de Janeiro (2006).

Alegria continua com Mauro Duarte foi um de seus grandes sambas também. A composição Vendaval da Vida com Délcio Carvalho é outro clássico.

No entanto, Toninho Nascimento foi seu mais frequente parceiro musical. Dentre as mais de 50 composições registradas, fizeram a magistral Peregrino, gravada por Paulinho da Viola.

Chegou a ser expulso da ala de compositores da Portela por conta de confusão em derrota na final de samba enredo em 2016 – mas já retornou, inclusive indo até a final, mas não levando, em 2019.

O sambista Noca é uma dessas figuras que driblaram as persistentes tormentas sociais e (principalmente) econômicas vividas ao longo da vida. Mesmo com a correnteza contra, conseguiu chegar com louvor ao outro lado do rio.

O livro Noca da Portela e de todos os Sambas, de Marcelo Braz, vem com um CD encartado com sete faixas de produção musical de Yuri Villar e interpretadas pelo biografado. As músicas escolhidas expressam os vários universos vividos por Noca ao longo da vida.

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