Cultura

Mudam-se os tempos

A gentileza anda fora de moda. A gentileza assusta as pessoas. Por Menalton Braff

A gentileza anda fora de moda. A gentileza assusta as pessoas. Foto: Galeria de Stefano Mazzone
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Não que seja o que faço com mais frequência nem com o maior gosto, mas às vezes também vou a supermercados. Todos temos nossas cruzes. Algumas mais pesadas, outras mais leves, distribuídas segundo as forças de cada um, pois ninguém carrega peso acima de sua competência. Eu também carrego as minhas, que nem são tão pesadas assim. E uma delas é esta necessidade de visitar supermercados.

Ontem foi dia de reabastecer a despensa, e lá me fui eu às compras com minha mulher. Acho que já disse aqui que o bom regime alimentar se faz é na hora das compras. Se não disse, fica dito. Mas devo ter dito, sim, porque penso nisso pelo menos uma vez por mês, ou seja, quando sou convidado a ajudar no abastecimento do lar. Por isso a linha imaginária de meus limites lá dentro daquele imenso salão é o departamento de frutas, verduras e legumes. É um espaço apertado e o trabalho é cansativo, mas compensador. E, com o tempo, já tenho alguma prática. A escolha da fruta mais doce, da verdura mais fresca, é especialidade de que não me orgulho tanto, mas que me tem sido muito útil.

Carrinho pesado de produtos hortifrutigranjeiros, peguei lugar na fila da pesagem. Atrás de mim, com ar cansado, uma senhora de seus quarenta anos, pendurado na mão direita um saquinho plástico com cerca de meia dúzia de tomates. Bem vermelhos, bonitos, seus tomates, mas com aquela mesma cara conformada de quem vai ter de esperar muito tempo, a cara da mulher que seguia atrás de mim: meu carrinho transbordava.

Fiz um gesto à senhora que me seguia com o saquinho de tomates. Ela me olhou aflita, sem entender o significado de minha mão aberta em movimento semicircular, da direita para a esquerda, indicando-lhe que avançasse. Repeti o gesto acompanhado de uma expressão verbal simples, como “por favor”, e a senhora de aflita passou a perplexa. Finalmente, para desobstruir logo a passagem, disse-lhe com todas as letras: “A senhora pode passar”.

A mulher, cujo vestido vermelho combinava com os tomates do saquinho e também com o rosto, quando passou, olhou-me ainda algumas vezes antes de pesar os tomates e sumir, repetindo seu agradecimento.

A gentileza anda fora de moda, comentei com minha mulher logo que nos encontramos no corredor combinado. A gentileza assusta as pessoas. Seguíamos a passo lento entre as montanhas de apelos para que fiquemos sem dinheiro algum, quando cruzamos com a dita dos tomates vermelhos. Ela me olhou perturbada e me jogou na cara um “muito obrigada” tão sonoro que quem ficou vermelho, desta vez, fui eu.

Minha mulher adivinhou quem fosse, mesmo assim perguntou: “É ela”? Sacudi a cabeça concordando, um pouco decepcionado com os tempos que correm e os bons costumes que ficaram. Já começava a arrepender-me do gesto, por considerá-lo exagerado, démodé.

Cara de bicho em jaula, entretanto, só fui sentir no caixa, quando nos encontramos pela terceira vez. Aquela senhora olhou-nos sorrindo e repetiu mais duas vezes seu agradecimento. Aquilo reboou pelo supermercado inteiro e não houve, lá dentro, quem não ficasse olhando para mim, um homem de outros séculos.

Não que seja o que faço com mais frequência nem com o maior gosto, mas às vezes também vou a supermercados. Todos temos nossas cruzes. Algumas mais pesadas, outras mais leves, distribuídas segundo as forças de cada um, pois ninguém carrega peso acima de sua competência. Eu também carrego as minhas, que nem são tão pesadas assim. E uma delas é esta necessidade de visitar supermercados.

Ontem foi dia de reabastecer a despensa, e lá me fui eu às compras com minha mulher. Acho que já disse aqui que o bom regime alimentar se faz é na hora das compras. Se não disse, fica dito. Mas devo ter dito, sim, porque penso nisso pelo menos uma vez por mês, ou seja, quando sou convidado a ajudar no abastecimento do lar. Por isso a linha imaginária de meus limites lá dentro daquele imenso salão é o departamento de frutas, verduras e legumes. É um espaço apertado e o trabalho é cansativo, mas compensador. E, com o tempo, já tenho alguma prática. A escolha da fruta mais doce, da verdura mais fresca, é especialidade de que não me orgulho tanto, mas que me tem sido muito útil.

Carrinho pesado de produtos hortifrutigranjeiros, peguei lugar na fila da pesagem. Atrás de mim, com ar cansado, uma senhora de seus quarenta anos, pendurado na mão direita um saquinho plástico com cerca de meia dúzia de tomates. Bem vermelhos, bonitos, seus tomates, mas com aquela mesma cara conformada de quem vai ter de esperar muito tempo, a cara da mulher que seguia atrás de mim: meu carrinho transbordava.

Fiz um gesto à senhora que me seguia com o saquinho de tomates. Ela me olhou aflita, sem entender o significado de minha mão aberta em movimento semicircular, da direita para a esquerda, indicando-lhe que avançasse. Repeti o gesto acompanhado de uma expressão verbal simples, como “por favor”, e a senhora de aflita passou a perplexa. Finalmente, para desobstruir logo a passagem, disse-lhe com todas as letras: “A senhora pode passar”.

A mulher, cujo vestido vermelho combinava com os tomates do saquinho e também com o rosto, quando passou, olhou-me ainda algumas vezes antes de pesar os tomates e sumir, repetindo seu agradecimento.

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