Toda vez que venho ao Rio perambulo pelas ruas de Copacabana, meio perdido, meio Fausto Fawcett. Percorro a Avenida Prado Junior do início ao fim, indo e voltando várias vezes. Procuro e não acho aquele prédio decadente de pastilhinhas onde nós – uma família mineira – passávamos nossos julhos. Era sagrado.
Num tempo em que ainda não havia booking.com não me pergunte onde o meu pai encontrava aquele apartamento no décimo segundo andar para passarmos as férias na Cidade Maravilhosa. Sei que chegávamos no primeiro dia de julho e só íamos embora no último. Trazíamos malas de couro, mapas da revista Quatro Rodas, sacolas com mantimentos, esteiras, guarda-sol e muito óleo de bronzear. Não esquecíamos a Rolleiflex e até mesmo uma pequinês, a Pink, vinha com a gente.
O apartamento era pequeno, escuro, mobiliado e feio. As janelas eram pequenas e de madeira, me lembro bem. Difíceis de abrir por causa do excesso de tinta óleo branca que o proprietário deveria passar toda vez que sentia que estavam ficando meio amareladas. Aquilo tudo era muito esquisito para nós. O aquecedor a gás dentro do banheiro esquentava a água mas quase nos sufocava. Minha mãe obrigava todos a tomar banho de porta aberta e de tempos em tempos chamava cada um pelo nome enquanto a água corria para certificar que estávamos vivos.
No primeiro dia, antes mesmo de irmos para a praia, ela descia e, num mercadinho ali perto, comprava um maço de feijão de corda. Quando voltávamos da praia, já com os primeiros sinais de queimadura e com o corpo assando, a salada de feijão de corda estava na mesa, temperada e com uns ovos cozidos por cima. Aquela era a senha que dizia que estávamos de férias na Cidade Maravilhosa.
Da janela um pouco maior da sala enxergávamos um belo horizonte, mas uma cidade que não era a nossa. Muitos prédios, uma neblina cobrindo parte do morro lá longe e um leve cheiro de peixe no ar. Lá embaixo, os carros começavam a circular logo cedo. Tinha Corcel, Opala, Vemaguete, Dauphine, Gordini e Simca Chambord.
A parede do apartamento era caiada de branco e se encostássemos, a tinha costumava sujar nossas roupas. A luz era bem fraca, poucas velas, acho que para economizar energia. O quartinho de empregada era assustador. Só cabia uma cama de solteiro, patente, pequena, e nada mais. Lembro-me que o chão da cozinha era vermelho e os armários que ficavam embaixo da pia cheiravam a mofo. O basculante da cozinha tinha um vidro quebrado que ano após ano nunca era trocado.
Na portaria do prédio, apenas uma mesa de madeira e alguns jornais – O Globo e o Jornal do Brasil – que os moradores assinantes iam passando e pegando logo cedo. O porteiro usava uma camisa azul e um bordado com o nome do edifício no bolso direito. Não consigo me lembrar o nome, se lembrasse certamente conseguiria localizar aquele prédio de pastilhinhas onde passávamos as férias e que sempre procuro quando venho ao Rio.
Essa história me veio à cabeça hoje porque depois de escrever na semana passada sobre os pintinhos de um dia que sumiram das cidades grandes, um leitor de Minas Geais me enviou um e-mail dizendo que o que o impressiona é o sumiço da maresia no Rio de Janeiro.
Pensei, é verdade. A geladeira daquele apartamento na Avenida Prado Junior era toda comida nas beiradas pela maresia. E não era só a geladeira. O fogão, a torradeira e todos aqueles Corcéis, Opalas, Vemaguetes, Dauphines, Gordinis e Simcas Chambord que circulavam lá embaixo. Andando por Copacabana era comum ver carros cobertos com um capa de lona para evitar a maresia que, como o pintinho de um dia, também sumiu.