Cultura

Jorge Antunes, o maestro que faz marchinhas satirizando de Weintraub a Temer

Além da marchinha ‘Weintraub é fraude’, Jorge Antunes escreveu paródias para o ex-presidente Temer e ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha

O cantor e compositor Jorge Antunes fez uma marchinha para o ministro Abraham Weintraub. Créditos: Anthony Kunze
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Para compor a sua marchinha de carnaval mais recente, direcionada ao ministro da Educação, o maestro e compositor Jorge Antunes ficou à caça de palavras que rimassem com Weintraub. “Só encontrei rimas toantes: escalde, acalme, enjaule e fraude”, conta. Na composição de quatro minutos, Antunes satiriza os erros de português do ministro, expõe seus exageros ideológicos e repete, com propriedade: “Weintraub é fraude!”, palavra que, para ele, é bem ilustrativa da atual política educacional.

O ministro da Educação não figura sozinho entre as criações do compositor. Já foram feitas marchinhas para o presidente Jair Bolsonaro, o ex-presidente Michel Temer, e o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, entre outros.

As composições carnavalescas, no entanto, são apenas uma das atuações de Antunes, que é focado principalmente na música erudita contemporânea brasileira. Suas óperas, concertos e obras para coro e orquestra mantém um ponto de convergência com suas criações mais populares: o tom político, mantido propositalmente. “Defendo o engajamento político do compositor, que não pode ficar alheio às realidades cruéis que o cercam”, atesta. Em entrevista a CartaCapital, o compositor e maestro fala de sua trajetória e dos enfrentamentos políticos que o acompanham.

CartaCapital: O senhor tem um vasto currículo de formação musical que mescla composições populares e clássicas, como óperas e músicas para orquestras. Entretanto, o tom político sempre se faz presente. Como politizar as criações clássicas? Quais composições evidenciam isso?
Jorge Antunes:
Entendo que o ofício do compositor é sagrado, porque a vida imita a arte. A composição musical é um santo ofício. O compositor não é um cidadão comum. Ele é, em geral, um intelectual privilegiado cuja voz, que sai de sua obra e de sua boca, alcança ouvidos vários, numerosos e longínquos. É bem verdade que a internet, hoje, dá voz a todos. Mas a voz do compositor reverbera de modo especial. Suas opiniões sempre encontram espaços em jornais, entrevistas, artigos, blogs, sites, palcos, palanques, livros e microfones.

Assim, defendo o engajamento político do compositor. Quando domina os recursos da retórica musical, ele pode formar ou mudar mentalidades porque sabe injetar em sua obra o poder do convencimento, da eloquência, da sedução, da persuasão.

Também não quero dizer que o compositor deva adotar única e exclusivamente essa vertente, tornando-se um político que faz música. Ele deve dar livre vazão à sua capacidade e necessidade criativas, fazendo também até mesmo arte pela arte, mas não pode ficar alheio às realidades cruéis que o cercam. O mundo da injustiça deve comovê-lo, feri-lo, influenciá-lo, provocando sua reação musical. Nesses momentos, então, ele sairá da torre de marfim, cumprindo plenamente sua função social.

Eis algumas de minhas obras em que a crítica social e temas políticos são tratados: Dissolução, de 1966, para orquestra de cordas e sons eletrônicos; Elegia Violeta para Monsenhor Romero, de 1980, para coro infanto-juvenil e orquestra; Sinfonia das Diretas, de 1984, para conjunto de câmara, coro, orquestra de buzinas e sons eletrônicos; Hino Nacional Alternativo, de 1988; Ballade Dure, de 1995, música eletroacústica; Quê que a gente faz?, de 2012, para violão e orquestra de cordas.

CC: Suas obras também serviram a momentos históricos importantes para o País. Fale sobre elas.
JA:
 Destaco Cabra da Peste, de 1964, para barítono e piano, que foi censurada; Sinfonia das Diretas, de 1984, que foi estreada no comício de Brasília no Movimento “Diretas Já”; Hino Nacional Alternativo, de 1988, que compus durante os trabalhos da Assembleia Constituinte, quando defendi mudanças no Hino Nacional em vigor; Brasília 50, de 2010, para violão e sons pré-gravados, que trata do assassinato de Wladimir Herzog; Olympia ou Sujadevez, de 2016, ópera de rua denunciando o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma; O Exfakeado, de 2019, ópera de rua denunciando a campanha de fake news que resultou na eleição do Bolsonaro.

CC: O senhor chegou a ter obras perseguidas durante a ditadura militar ou teve problemas em dar sequência às suas composições?
JA:
Sim. A primeira perseguição aconteceu em 1964, quando a censura proibiu a estreia de minha canção Cabra da Peste num programa da Rádio MEC. Dois anos depois, em 1966, minha obra Dissolução, para orquestra de cordas e sons eletrônicos, foi cancelada de um Festival na Sala Cecília Meireles. A música e os sons pré-gravados descrevem a dissolução de uma passeata estudantil pela polícia, com ruídos de bombas e outros efeitos sonoros. Em 1966 e em 1968 tive censuradas as trilhas sonoras que fiz para peças teatrais de Emanuel de Moraes e de Alfredo Gerhartt. Não só as peças teatrais foram proibidas: as músicas também. Mas a censura não era praticada apenas pelo Estado opressor. Em 1975 compus, por encomenda, uma peça intitulada Três Impressões Cancioneirígenas, para flauta, viola e violoncelo. O violoncelista se negou a tocar a obra, porque nela os músicos falam frases criticando o AI-5. Mesmo depois de terminada a ditadura militar, a censura velada continuou a existir.

Minha ópera Olga, terminada em 1996, e que está sendo encenada agora na Polônia, ficou engavetada durante 10 anos, porque seu enredo trata da vida, luta e martírio de Olga Benario, denunciando as atrocidades do torturador Filinto Müller. A ópera só veio a ser estreada em 2006, em São Paulo, depois que a Globo Filmes fez, em 2004, o filme Olga. Se a Globo tratava do tema, então os teatros medrosos já passavam a considerar que não era mais tão subversivo falar da vida de uma comunista revolucionária.

Em março de 1969 tive que sair do Brasil, em exílio, por causa das perseguições que passei a sofrer depois do AI-5, sendo demitido do Instituto Villa-Lobos, onde eu era professor. Em 2014, o Estado brasileiro me concedeu anistia política e uma indenização financeira, pedindo-me desculpas.

CC: A cultura vem sofrendo fortes ataques sob a gestão do presidente Bolsonaro, com cancelamentos e paralisações da indústria audiovisual, censura a livros didáticos. Como o senhor vê essa situação e quais os riscos ao País?
JA: É claro que tudo isso é danoso para o País, para nossa Cultura e para a formação das novas gerações. Mas temos que seguir em frente, combatendo com as poderosas armas que temos: a voz, a música e as artes em geral. Mas existe um trabalho sujo que um governo sujo –como o que temos– pode realizar. É um trabalho que as esquerdas nunca teriam coragem de enfrentar, por causa do habitual democratismo: a necessária diminuição de espaços para o lixo cultural que deseduca nosso povo. Refiro-me à podridão da indústria da cultura que enfia, goela abaixo, no gosto popular, a pseudo-arte comercial alienante e de má qualidade.

Ainda hoje fazemos uma pergunta, cuja resposta não é bem divulgada. Uma música é tocada no rádio porque é sucesso? Ou ela é sucesso porque é tocada no rádio? O lixo musical, em que os ouvidos do povo chafurdam, sempre ganha espaços por causa do jabá, essa vergonhosa prática em que produtores e gravadoras pagam, no rádio e na televisão, para ter a música tocada e divulgada. Isso é proibido nos Estados Unidos da América, mas ainda não foi criminalizado no Brasil. A payola, como é chamado o jabá nos Estados Unidos, é totalmente ilegal.

Em 2003 a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou projeto de lei que torna crime a prática do jabá. Mas o projeto foi engavetado e nunca é levado a plenário. Quando a pseudo-esquerda esteve no poder, o então Ministro da Cultura Gilberto Gil foi contra a criminalização do jabá.

Tem um outro aspecto, bastante paradoxal, que é preciso salientar. Somente os governos de direita, no Brasil, deram atenção e espaços para a música erudita. Eu me desfiliei do PT, em 2002, quando um deputado distrital petista, meu amigo, gritou a plenos pulmões em uma reunião: “Ópera é coisa das elites! Com a verba de uma ópera podemos organizar 20 shows de música popular! O atual presidente da Funarte, o maestro Dante Mantovani, conhecido por suas declarações polêmicas, está apresentando um plano de ações muito bom para a música erudita e para a ópera. Essas contradições e ações paradoxais merecem boas reflexões e debates.

Mas é claro que as pretensões nacionalistas das ações do Estado são danosas e indesejáveis. Essa é minha convicção porque sou um internacionalista que sonha com um mundo sem fronteiras. Mas defender a prata da casa, preconizar uma espécie de reserva de mercado para o artista brasileiro, isso sim, é fundamental. Essa seria a única espécie de “nacionalismo” que eu defenderia. Mas tudo sem dirigismos. A história nos mostra que as políticas culturais da extrema direita e da extrema esquerda acabaram se constituindo em verdadeiros crimes contra a humanidade: tanto a política hitlerista de Goebbels, quando a política stalinista de Zhdanov.

CC: Quando o senhor iniciou o trabalho com as marchinhas de carnaval e qual a importância desse tipo de composição?
JA:
 Em 1986 fiz minha primeira marchinha de carnaval que, inclusive, fez muito sucesso. O título “Tô tô tô Funaro” foi a minha forma de protestar contra o arrocho do Plano Cruzado, no governo Sarney, quando Dilson Funaro era ministro da Fazenda. O refrão dizia: “tô tô tô funaro e mal pago”. Na época, ganhei um bom dinheiro do Ecad, na arrecadação de direitos autorais, porque a marchinha foi muito cantada em todos os bailes carnavalescos nos clubes de Brasília. O próprio ministro Funaro gostou e se divertiu com a música. Guardo com carinho o telegrama que ele me enviou cumprimentando-me pela marchinha.

Abro um parênteses para dizer que foi justamente naquela época, mais exatamente em 1984, que eu descobri ser totalmente infrutífera a formação de novas mentalidades nas salas de aula da Universidade de Brasília. Eu tentava abrir a cabeça dos jovens estudantes de música por meio da prática da música nova, contemporânea. Mas a reação, dos estudantes e de meus pares professores, era enorme. A maioria dos alunos de composição era formada de evangélicos que queriam compor música para a igreja. O conservadorismo, no próprio corpo docente, era forte. Foi então que comecei a sair para a subversão extramuros. Passei a fazer marchinhas de protesto no Carnaval, e iniciei militância político-partidária.

CC: Sua marchinha mais recente, direcionada ao ministro da educação, repete “Weintraub é fraude”. Fale sobre seu processo de composição e sua percepção sobre a atual gestão do MEC.
JA:
Quando comecei a elaborar essa marchinha, busquei rimas para “Weintraub”, e só encontrei rimas toantes, tais como: escalde, acalme, enjaule e fraude. A palavra “fraude” é bem ilustrativa da atual política educacional. Fraude é todo ato que tem o intuito de lesar ou ludibriar outrem, ou de não cumprir determinado dever. O atual Ministro da Educação faz tudo para lesar nosso patrimônio educacional, tentando desqualificar o trabalho revolucionário e progressista de Paulo Freire, e desenvolvendo uma política que compromete forte e negativamente a formação das novas gerações. Além de toda essa ação criminosa, ele envergonha o mundo acadêmico, demonstrando total ignorância do vernáculo, praticando erros vergonhosos no uso da língua portuguesa.

CC: O senhor também tem marchinhas sobre o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma. O que as composições abordaram e como o senhor avalia este episódio no País?
JA:
Fiz duas marchinhas no carnaval de 2015 escrachando Eduardo Cunha quando esse meliante, então presidente da Câmara, aceitou a denúncia contra Dilma. São as marchinhas “O Mosquito” e “Alcunha”. A última estrofe de “Alcunha” diz: “Eu sei que no Congresso só tem ladrão bacana; se livram de processo com quilos de laranjas. Laranjas em excesso, são muitos na disputa. Mas sei que esse alcunha é o maior quilo da fruta”. A marchinha “O Mosquito” foi premiada no concurso nacional de marchinhas promovido em 2015 pela Fundição Progresso e pela Rede Globo.

O impeachment de Dilma foi um duro golpe parlamentar que jogou o destino do nosso país nas mãos dos pentecostais, dos neopentecostais e dos fascistas enrustidos. Aliás, os fascistas nem são mais tão enrustidos e, com a maior cara dura, a todo momento mostram suas garras. Ainda durante o processo de impeachment, compus a ópera de rua “Olympia ou Sujadevez”, que foi encenada em Brasília, contando a história do golpe, mas com a história trasladada à Grécia antiga com tribunos golpistas tramando e derrubando a Arconte Dílmias Russelfius. É oportuno lembrar ao leitor de Carta Capital que todas as marchinhas, obras musicais e óperas de rua que aqui comento, podem ser assistidas no Youtube.

CC: O presidente Jair Bolsonaro também ganhará uma marchinha? Qual seria a marca dessa composição, com base em uma análise do governo até o momento?
JA: Já ganhou. Para ele fiz a marchinha “Ele caiu no banheiro”, em que dramatizo musical e carnavalescamente a queda que ele sofreu no banheiro do palácio. Essa marchinha também se encontra no Youtube. Na letra, trato apenas de ironizar e escrachar a figura nefasta que nos envergonha a nível internacional, com sua ideologia fascista, carregada de homofobia, ignorância anímica e despreparo para o cargo que ocupa.

Talvez eu pense numa nova marchinha para o Carnaval de 2021, caso Bolsnaro permaneça no cargo até lá. A chegada dele à Presidência da República foi o coroamento de um processo que começou a ser executado há cerca de 30 anos, quando os Estados Unidos começara a se infiltrar, no Brasil, os pregadores do conservadorismo e o fundamentalismo doentio dos pentecostais e neopentecostais. Livrarias e cinemas se fechavam e as igrejas compravam os espaços. O inteligente trabalho de proselitismo se espalhou, lavando os cérebros das novas gerações que não tinham acesso ao lazer, à arte e à educação de qualidade. Esse processo só seria interrompido se o PT, no poder, tivesse se convencido de que a Cultura é questão estratégica. Não teríamos chegado à triste situação em que nos encontramos se o PT tivesse criado uma Casa da Cultura ao lado ou próxima a cada igreja que surgia.

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