Cultura

Intelectuais apontam racismo contra Grada Kilomba, deixada de fora da Bienal de Veneza

Decisão de um único jurado provocou a desclassificação da artista portuguesa; o assunto tem ganhado proporções internacionais

Intelectuais apontam racismo contra Grada Kilomba, deixada de fora da Bienal de Veneza
Intelectuais apontam racismo contra Grada Kilomba, deixada de fora da Bienal de Veneza
(Foto: Divulgação)
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A seleção dos artistas que irão representar Portugal na Bienal de Veneza tem gerado imensa repercussão por conta da desclassificação da artista e escritora portuguesa Grada Kilomba.

Conhecida por exposição que rodaram o mundo, ela teve a candidatura rejeitada depois de ser avaliada com nota 10 numa escala de 0 a 20 por um único jurado.

O caso foi denunciado na última semana em primeira mão por Bruno Leitão, curador que trabalha em conjunto com Kilomba na candidatura da exposição A Ferida. Desde então, o assunto vem recebendo atenção da imprensa internacional. No mais recente capítulo dessa história, curadores de arte, escritores e ativistas de diferentes lugares divulgaram uma carta aberta em repúdio ao acontecimento e em solidariedade à Kilomba, exigindo uma revisão das notas, bem como a mudança no corpo de jurados, composto nessa edição apenas por pessoas brancas.

Assinam a carta aberta entre muitas pessoas e organizações, a escritora francesa Françoise Verger, o ativista português Mamadou Ba, o escritor e músico angolano Kalaf Epalanga. No Brasil, marcam presença nomes como a escritora Djamila Ribeiro e o diretor da Pinacoteca de São Paulo Jochen Volz.

A carta critica a decisão do jurado Nuno Crespo, crítico de arte no jornal Público e diretor da Escola das Artes e Reitor da Universidade Católica Portuguesa. Os signatários consideram ‘imcompreensível’ a nota dele à candidatura de Kilomba para a Bienal de Veneza.  “Uma classificação de 10, 10 e 15 pontos (numa escala de zero a vinte), em flagrante discrepância com os outros elementos do júri, que atribuíram notas entre 19, 20 e 20. Crespo deu a pontuação mais baixa dada a qualquer uma das quatro propostas apresentadas.”

 

O documento aponta ainda que o sistema de votação permite boicote por um único jurado, em desrespeito aos demais colegas jurados e ao colegiado como um todo. E aponta para a composição racial e de gênero do júri, composta por quatro pessoas brancas. “Entre elas três mulheres e um homem, Nuno Crespo, deixando-nos com a complexidade das estruturas patriarcais e coloniais do sistema”.

Um ponto que chamou a atenção foram as justificativas de Crespo para subavaliar e inviabilizar a candidatura de Kilomba. Um dos argumentos levantados foi que o racismo já foi abordado em outros trabalhos anteriores e, portanto, não seria mais relevante. Segundo ele, “a ideia de racismo como ferida aberta foi já objeto de inúmeras outras abordagens; de modo que a proposta apresentada não deixa perceber como numa exposição poderá rever, criticar ou prolongar essa ideia tão já discutida e mesmo exibida de múltiplas formas”.

A carta ressalta, contudo, que a A Ferida trata de temas como a crise do meio ambiente, a militarização das relações humanas e a crise dos direitos humanos, sendo uma redução despropositada do trabalho. Destaca ainda que o argumento de que estaria se ‘falando demais’ sobre o racismo e o legado colonial “é própria dos setores conservadores da sociedade que querem manter tudo como está”.

“O argumento da ‘saturação’ esconde a falta de iniciativas consistentes para combater as violências sofridas por comunidades racializadas”, completam. Ao final, a carta aberta reinvindica que comissões julgadoras portuguesas sejam constituídas de forma plural, representando a diversidade da população do país.

O desfecho dessa história, ao que tudo indica, será o julgamento pela Direção-Geral das Artes, um departamento do Ministério da Cultura português, para onde foi endereçado o recurso sobre a avaliação proferida pela comissão julgadora de Crespo. O julgamento ainda não tem data marcada.

Confira a íntegra:

Carta Aberta Grada Kilomba e a Bienal de Veneza 2022

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