Cultura

Haja coração!

Por que se preocupar com um coração que, não sei porque, bate feliz quando te vê?

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Depois que a gente ultrapassa a faixa dos 60 anos de idade, o cardiologista passa a fazer parte da nossa vida. Não sei se como amigo, conselheiro, meio membro da família. Todos os seus telefones – consultório, casa, celular – entram na nossa agenda da noite pro dia. Doutor Brandão, o meu cardiologista, está lá como primeirão da lista talvez porque o iPhone coloca automaticamente os nomes em ordem alfabética, mas se ele não se chamasse Brandão, certamente estaria na minha lista dos favoritos.

Confesso que o meu coração, que nunca me deu trabalho, em todos os sentidos, agora bate acelerado toda vez que vou na letra B do meu celular procurar pelo Doutor Brandão. Acelera mais ainda quando digito os primeiros números do seu consultório para marcar uma consulta. É sempre assim.

Sou um paciente que talvez todo cardiologista sonha em ter. Na primeira consulta, o Doutor Brandão fez o diagnóstico.

– Fuma?

– Não, nunca fumei.

– Bebe?

– Uma cervejinha nos fins de semana.

– Faz algum exercício físico?

– Caminho todos os dias 45 minutos, faça sol ou faça chuva.

– E a alimentação?

Muita fruta, muita verdura, muito peixe, carne vermelha só duas vezes por semana.

E completo.

– Aquele torresminho, aquele ovinho mexido no café da manhã, aquele bacon no feijão, aquela coxinha com catupiry, aqueles bolinhos de chuva… já abandonei faz tempo.

Doutor Brandão abre um sorriso como quem diz, tenho paciente para pelo menos uns dez, quinze, vinte anos. Ou mais. Mesmo assim ele faz um pequeno check-up.

Tiro a roupa e sento naquela maca em que o papel está sempre teimando em escorregar. Abro os olhos, a boca, ele examina os ouvidos, respiro fundo, paro, respiro fundo novamente, ele bate com aquele martelinho no joelho, vai me apalpando do dedão do pé ao último fio de cabelo.

Pela sua cara, acho que continuo em perfeitas condições de uso.

Mesmo assim ele quer fazer um eletro. Só de começar a instalar aqueles eletrodos no meu peito, o meu coração volta a acelerar. Penso com os meus botões, cantando baixinho uma velha canção do Walter Franco.

Tudo é uma questão de manter

A mente quieta

A espinha ereta

E o coração tranquilo

Sendo assim, o eletro também não detecta nada. Ufa! Respiro aliviado. Sinto que o meu coração que andava fazendo tum tum tum agora há pouco, voltou a fazer toc toc toc. Isso, até a próxima consulta, claro.

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