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Fascismo à portuguesa

O historiador e político Fernando Rosas dedica mais uma obra a decifrar a ditadura de Salazar, a mais longeva da Europa no século XX

Onipresente. A ditadura começou sem Salazar, mas ele acabaria por se tornar sinônimo do regime que durou 48 anos – Imagem: Mário Novais/Biblioteca de Arte/Fundação Calouste Gulbenkian
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As circunstâncias não poderiam ser mais oportunas. O historiador Fernando Rosas me recebeu em sua casa, em Lisboa, no intervalo de dois eventos representativos da índole da direita portuguesa. No dia anterior, 5 de outubro, feriado da Proclamação da República, Carlos Moedas, prefeito da capital e expoente do PSD, havia subido ao púlpito para anunciar os preparativos na cidade dos festejos do 25 de Novembro, data controversa que, em contraposição à Revolução dos Cravos, comemorada em 25 de abril, franjas da elite consideram como o “verdadeiro” marco da liberdade. No dia seguinte, 6 de outubro, as televisões dedicariam horas ao “casamento real”, a união no Convento de Mafra, aquele retratado por José Saramago, da infanta Maria Francisca, herdeira do trono (?), e do advogado Duarte de Sousa Araújo Martins. Seria uma cobertura – e uma cerimônia – de fazer inveja aos Windsor, não fosse um aspecto sui generis do maciço interesse midiático: a monarquia perdeu títulos e regalias no país há 113 anos, naquele longínquo 5 de outubro de 1910 que os portugueses haviam relembrado 48 horas antes. Sem uma coroa para chamar de sua, restou à infanta e ao consorte, ressaltaram os jornalistas, fixar residência em Londres, onde, ao menos, se respira o ar da nobreza. Rosas absteve-se de comentar antecipadamente as bodas, mas não fugiu de analisar o discurso de Moedas. “É um velho truque da direita”, afirmou. “Sempre tenta separar a democracia da matriz revolucionária. A democracia existiria apesar do 25 de abril, não por causa dele.”

Em 2024, Portugal vai celebrar os 50 anos da Revolução dos Cravos, que pôs termo a 48 anos de ditadura, dominada em sua maior parte pela onipresente figura de António Salazar, a ponto de tirania e tirano se confundirem. Quem visita Lisboa em 25 de abril e assiste aos festejos na Avenida da Liberdade e arredores é levado a acreditar na convergência partidária e ideológica em torno de um movimento iniciado nos quartéis, mas concluído nas ruas, quando os cravos vermelhos presenteados aos soldados pelos populares tornaram-se mais persuasivos do que os fuzis. Ilusão. O 25 de Abril e o legado salazarista estão em disputa e certas classes sociais, além de influentes grupos de mídia, insistem em uma versão lusitana da “ditabranda”. A evocação do 25 de Novembro integra a peleja. Em 1975, exatos um ano e sete meses após a revolução, militares “moderados” lograram um pacto com os oficiais ligados ao Partido Comunista, importantes na execução da reforma agrária no pós-ditadura. O acordo pôs um freio nas aspirações revolucionárias, enterradas de vez na Constituição do ano seguinte. “Foi uma espécie de contrarrevolução”, define Rosas. Outro debate se dá em torno da natureza do regime salazarista. Tratou-se ou não de uma ditadura fascista?

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