Cultura

Dá vontade de sair correndo

Blog do Fidípides, o homem que venceu e tirou o último lugar na primeira maratona da história

Blog do Fidípides, o homem que venceu e tirou o último lugar na primeira maratona da história
Apoie Siga-nos no

Talvez você não lembre de mim. Minha história, geralmente, é contada na escola primária e depois só é relembrada de quatro em quatro anos. Portanto, permita-me apresentar novamente. Sou o responsável por fazer milhões de pessoas sofrerem correndo sem destino por ruas e parques do mundo inteiro e também, é claro,  por suas consequentes lesões por fadiga.

Parece que foi ontem. Em 490 a.C, eu estava na baia de Maratona quando o general Milcíades incumbiu-me de levar a Atenas a notícia de nossa vitória sobre os invasores persas. O serviço era pra já. Ok, ordens são ordens, pensei eu, ainda mais vindas de um general. Perguntei se havia um cavalo para tal tarefa. Não. Jegue? Também não. Barquinho? Seria demorado e perigoso. Então parti para enfrentar os 42kms sem tênis acolchoado, isotônico, capsula de gel, relógio marcador de batimentos, camiseta dryfit e fones de ouvido tocando minhas músicas favoritas.

Fui correndo. Um dia depois, cheguei exausto. Dei a notícia e morri. Consta-se que minhas últimas palavras foram “Rejubilem-se, vencemos!”. Na verdade, foram  “água, água, pelo amor de Zeus.” Houve gente que, em vez de ajuda, me ofereceu uma bicicleta, perguntando se eu não queria inspirar também a criação do Triátlon.

Meu feito permitiu que Atenas se preparasse para uma possível revanche persa. O sacrifício teve reconhecimento imediato. Tornei-me um herói instantâneo. O resto você conhece bem. Minha história deu origem a mais importante prova de corrida, aquela que fecha os jogos olímpicos: a maratona. Uma bela homenagem.

Hoje, a reação não seria a mesma. O vitorioso de agora tem que ser perfeito, infalível. Tenho certeza que além de congratulações, o Twitter ficaria repleto de mensagens ressentidas do tipo Fidípides é atleta de uma prova só. Sua chegada foi de matar. É fogo, nós gregos sempre morremos na praia. Um chinês estaria vivo. Não se preparou direito. E agora, quem irá nos representar daqui a quatro anos?

Veja o que experimentaram os atletas que não obtiveram o êxito esperado nos jogos de Londres. Aqueles comentários infelizes, antes restritos a conversas particulares, chegaram quentes aos competidores, através das redes sociais, justamente na hora em que eles mais precisavam de apoio. Cobranças descabidas, palpites desprovidos de conhecimento técnico, manifestações racistas, diagnósticos simplistas, intolerância. Em suma, uma retribuição nada agradável para quem treinou tanto e conseguiu ter índice para competir entre os melhores.

Sugiro que, para a Olímpiada de 2016 no Rio, as autoridades brasileiras bloqueiem a internet e o sinal de celular na vila olímpica, a fim de preservar os atletas. Mas por favor, procurem uma tecnologia diferente daquelas empregadas para isolar os presídios de Bangu I, II e III.

 

Leia mais em Blogs do Além

Talvez você não lembre de mim. Minha história, geralmente, é contada na escola primária e depois só é relembrada de quatro em quatro anos. Portanto, permita-me apresentar novamente. Sou o responsável por fazer milhões de pessoas sofrerem correndo sem destino por ruas e parques do mundo inteiro e também, é claro,  por suas consequentes lesões por fadiga.

Parece que foi ontem. Em 490 a.C, eu estava na baia de Maratona quando o general Milcíades incumbiu-me de levar a Atenas a notícia de nossa vitória sobre os invasores persas. O serviço era pra já. Ok, ordens são ordens, pensei eu, ainda mais vindas de um general. Perguntei se havia um cavalo para tal tarefa. Não. Jegue? Também não. Barquinho? Seria demorado e perigoso. Então parti para enfrentar os 42kms sem tênis acolchoado, isotônico, capsula de gel, relógio marcador de batimentos, camiseta dryfit e fones de ouvido tocando minhas músicas favoritas.

Fui correndo. Um dia depois, cheguei exausto. Dei a notícia e morri. Consta-se que minhas últimas palavras foram “Rejubilem-se, vencemos!”. Na verdade, foram  “água, água, pelo amor de Zeus.” Houve gente que, em vez de ajuda, me ofereceu uma bicicleta, perguntando se eu não queria inspirar também a criação do Triátlon.

Meu feito permitiu que Atenas se preparasse para uma possível revanche persa. O sacrifício teve reconhecimento imediato. Tornei-me um herói instantâneo. O resto você conhece bem. Minha história deu origem a mais importante prova de corrida, aquela que fecha os jogos olímpicos: a maratona. Uma bela homenagem.

Hoje, a reação não seria a mesma. O vitorioso de agora tem que ser perfeito, infalível. Tenho certeza que além de congratulações, o Twitter ficaria repleto de mensagens ressentidas do tipo Fidípides é atleta de uma prova só. Sua chegada foi de matar. É fogo, nós gregos sempre morremos na praia. Um chinês estaria vivo. Não se preparou direito. E agora, quem irá nos representar daqui a quatro anos?

Veja o que experimentaram os atletas que não obtiveram o êxito esperado nos jogos de Londres. Aqueles comentários infelizes, antes restritos a conversas particulares, chegaram quentes aos competidores, através das redes sociais, justamente na hora em que eles mais precisavam de apoio. Cobranças descabidas, palpites desprovidos de conhecimento técnico, manifestações racistas, diagnósticos simplistas, intolerância. Em suma, uma retribuição nada agradável para quem treinou tanto e conseguiu ter índice para competir entre os melhores.

Sugiro que, para a Olímpiada de 2016 no Rio, as autoridades brasileiras bloqueiem a internet e o sinal de celular na vila olímpica, a fim de preservar os atletas. Mas por favor, procurem uma tecnologia diferente daquelas empregadas para isolar os presídios de Bangu I, II e III.

 

Leia mais em Blogs do Além

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo