Cultura

Comidinha

Os novos pais só alimentam os filhos com o diminutivo

Sara Villas nos anos 80, aprendendo a comer de tudo
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Foi o meu irmão mais velho, avô de três, que me chamou a atenção. Os pais de hoje só alimentam os seus filhos com o diminutivo.

– Quer um purezinho?

– Quer um bifinho?

– Quer um arrozinho com feijãozinho?

Minha mãe, mãe de cinco, era uma dona de casa que todos os dias por volta das nove e pouco da manhã, parava tudo para fazer o nosso almoço. Começava catando os marinheiros do arroz e depois retirando as pedras do feijão. Arroz com feijão era sagrado naquela casa.

Depois, ela picava e refogava a verdura, os legumes: Um dia era quiabo, outro chuchu, outro jiló. Tinha vagem torta, taioba, couve e mostarda, essas coisas bem brasileiras.

Minha mãe fazia angu todos os dias. Em Minas,  ninguém dizia polenta naqueles anos 60 e comia angu de segunda a sexta. Por fim, ela passava o bife. Pois é, lá na minha terra ninguém fritava o bife, passava.

Tudo pronto, ela chegava na porta da cozinha e dava um grito de guerra para o terreiro inteiro ouvir. Em Minas, quintal é terreiro.

– Tá na mesa!

Vinha filho de tudo quanto é lado. Aquele que estava lavando a gaiola do porquinho-da-índia, aquele que estava consertando a roda do velocípede, aquela que estava brincando de casinha, pulando corda ou jogando Ludo Real. Isso, na época de férias, porque nos dias de aula, a história era outra.

Minha mãe colocava a comida na mesa e os cinco filhos sentavam-se em volta. A gente dava uma espiada nas travessas e ia enchendo o prato. Claro que no dia de jiló eu colocava só um tiquinho. Quiabo, a mesma coisa. Lembro bem que era um bife pra cada um e acabou.

Enchíamos e raspávamos os prato para enfrentar a tarde de mais brincadeiras. De sobremesa, sempre tinha uma goiabada, uma pessegada, uma figada, uma marmelada ou tudo junto numa lata de 4 em 1 da Cica.

Minha mãe nunca perguntou a filho nenhum se queria ou não queria um jilozinho, um quiabinho ou uma abobrinha. Nem nunca obrigou ninguém a comer nada. Ela simplesmente colocava na mesa e pronto. E foi assim que hoje, os cinco filhos, todos adultos, comem de tudo, inclusive jiló.

Nesses tempos modernos em que vivemos, dar comida aos filhos virou uma verdadeira cerimônia. Como diz o meu irmão, além de perguntar se quer comer, pergunta-se no diminutivo.

– Você quer uma carninha moidinha?

– Quer tomar um leitinho?

Minha mãe colocava leite em garrafas de vidro de Coca-Cola, jogava lá dentro uma colherada de Toddy, punha uma chupeta de borracha vermelha, sacudia bem e ia dando pra cada um dos filhos. Como era gostoso aquele Toddynho morno antes de dormir…

Hoje a história é outra.

– Filhinho, você quer uma sopinha de mandioquinha?

– Você quer uma batatinha?

– Você quer um brocolizinho na manteiguinha?

Quando o meu irmão chamou a minha atenção para essa avalanche de diminutivos, eu achei que era moda de pai moderno mas, no final de semana, estava eu na fila do caixa de uma drugstore aqui no meu bairro, quando bati os olhos naqueles potinhos de comida pronta pra bebês e não é que eu vi escrito nas embalagens: Strogonofinho de franguinho, sopinha de mandioquinha, spaguetinho com carninha?

Não é mesmo uma gracinha?

Em tempo: Meus quatro filhos comem de tudo

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