Nas últimas horas, recebi uma grande quantidade de ligações e mensagens de cineastas, atores, atrizes, produtores e trabalhadores da indústria cinematográfica, principalmente do Rio e de São Paulo, preocupadíssimos por mais uma indicação do governo golpista num órgão fundamental para as políticas de cultura: a Ancine.
Sem nenhum tipo de diálogo com a gente que faz cinema no Brasil e conquista o aplauso dos espectadores no país e da crítica e dos júris nos festivais internacionais, o ministro Freire indicou para a diretoria da agência um conhecido do PMDB, Sérgio Sá Leitão, quem já ocupou a direção da RioFilme na gestão de Eduardo Paes no Rio de Janeiro e atua no âmbito privado como CEO de uma produtora e diretivo do grupo Severiano Ribeiro.
De acordo com uma reportagem do Globo, naquela época, ele sugeriu, numa troca de e-mails do governo, um movimento para “enquadrar”, “isolar” e “tirar a base de apoio” de um grupo de cineastas independentes do Rio. Uma atitude bastante pouco republicana, por dizer o mínimo…
O que todas as pessoas do cinema que ouvi me disseram é que a gestão de Sá Leitão no ente municipal carioca deixou muito a desejar: fala-se em autoritarismo, perseguição contra conselheiros que questionaram suas políticas (acusações sobre as quais ele deverá dar sua versão na sabatina do Senado, porque são graves e devem ser esclarecidas) e favorecimento de determinadas empresas.
De acordo com alguns dos cineastas que falaram comigo, Sá Leitão destinava quase a totalidade da verba pública para produções de unas poucas produtoras de grande porte, locais e estrangeiras. Segundo os cineastas que falaram comigo, 57% do dinheiro investido pela Riofilme foi por escolha direta da diretoria (sem edital ou comitê de seleção) e cerca de 40% foi investido em apenas 10 (grandes) produtoras.
Aqui vale fazer uma ponderação que tem a ver com o modelo de gestão cultural que o Brasil precisa. As grandes produtoras fazem coisas excelentes e outras medíocres, da mesma forma que os estúdios americanos. Não tenho nada contra eles e, como espectador, disfruto de muitos filmes que eles produzem. Contudo, a ideia de se ter uma agência estatal para financiar produções audiovisuais com recursos públicos tem a ver, justamente, com a necessidade de colocar recursos onde muitas vezes o mercado e as grandes produtoras privadas não colocam.
A Ancine deveria cumprir um papel apoiando o cinema independente, incentivando o surgimento de novos talentos, apostando em produções que a lógica da bilheteria e do investimento privado não vai privilegiar.
Não faz sentido que o dinheiro público sirva para dar mais aos que já têm muito. E é nesse ponto, precisamente, que a política do PMDB, hoje à frente do governo golpista, entra em contradição com o que o país precisa. A relação promíscua entre funcionários públicos, partidos e empresários tira dinheiro que pagamos todos de onde ele faz falta por motivos que nada têm a ver com o interesse público.
Eu fui procurado para intervir nesta situação pela minha atuação na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, pela minha defesa do MinC quando o presidente ilegítimo quis extingui-lo e pela minha relação com o mundo da cultura e das artes, que inclui por exemplo o programa de televisão sobre cinema que realizo há tempos, Cinema em outras cores.
E eu pretendo acompanhar de perto o processo de nomeação na Ancine em parceria com colegas do Senado, porque a defesa de uma boa política pública para a cultura me parece fundamental.
Além de responder às críticas e às acusações que estão sendo feitas sobre o candidato do PMDB, que devem ser apuradas com transparência e isenção, o governo deveria fazer algo ainda mais básico: dialogar!
Indicar um diretor para a Ancine sem conversar com as pessoas que fazem cinema no Brasil é uma expressão perfeita da marca de nascença de este governo ilegítimo: o desprezo pela democracia e pela participação da sociedade nos assuntos públicos.