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Caçadores de atenção

Empresas de delivery e de comércio eletrônico se tornam centrais no processo de escolha de filmes e séries

Catálogos à baciada. Amazon, Mercado Livre e Rappi passaram a ofertar serviços premium de streaming em troca de frete grátis. A Apple, por sua vez, oferece três meses do catálogo da Apple TV+ na compra de um iPhone – Imagem: Redes sociais
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Estão em disputa, neste momento, no Congresso Nacional, dois Projetos de Lei que oferecem diferentes caminhos para a regulação dos serviços de vídeo sob demanda no País.

As principais reivindicações da produção independente giram em torno da criação de mecanismos que induzam e obriguem as plataformas de streaming a direcionar recursos para obras brasileiras independentes – via investimento direto e pagamento de tributos – e que lhes garantam um mínimo de visibilidade.

Que a regulação desse segmento é não só necessária, mas urgente, todos parecem concordar. Mas do que estamos exatamente falando? Decerto, não apenas de audiovisual, uma vez que a atividade não diz respeito apenas a estúdios, grupos de mídia, produtores e artistas. Ela está inserida nos modelos de negócios de empresas as mais variadas, de Apple a Rappi.

A regulação, portanto, interferirá em um mercado que vai muito além dos filmes e séries. Parte da briga comercial dessas empresas se dá pela atenção de um público soterrado por ofertas – de obras audiovisuais, serviços de delivery, pacotes de dados para celulares, games, tudo misturado.

O excesso de oferta, como aponta o pesquisador Pedro Curi, coordenador do Curso de Cinema e Audiovisual da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio, tem feito com que, cada vez mais, a escolha do que assistir dependa de um novo sistema de mediação, no qual as big techs, com seus algoritmos e sistemas de recomendação, têm papel relevante.

No trabalho Na Minha Mão É Mais Barato: Mediação de Acesso e Streaming no Brasil, apresentado na sexta-feira 10 durante o encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual ­(Socine), em Foz do Iguaçu, Curi, por meio de um recorte de dados, ofereceu um panorama da chamada economia da atenção.


Curi partiu de uma pesquisa do Hub Entertainment Research, que trabalha com empresas como ABC, Comcast, ­Netflix, Hasbro, Sony e AT&T. O estudo demonstrou que os espectadores dos Estados Unidos precisam de 7,4 fontes de conteúdo para satisfazer suas necessidades.

Aos sistemas de recomendação tradicionais, como críticas, comerciais na TV e boca a boca, somaram-se os conhecidíssimos algoritmos. Mas não só. Cada vez mais, o audiovisual integra grandes pacotes de ofertas de serviços (ver imagens ao lado). Se, antes, a HBO era o suprassumo de um pacote de TV por assinatura, hoje a HBO Max pode ser um simples benefício para quem assina o Rappi.

“As agregadoras prometem mais facilidade na gestão dos diferentes serviços e fazem parcerias com empresas que prometem, por exemplo, taxas de entrega mais baratas em troca da assinatura de conteúdo premium”, diz Curi, dando materialidade àquilo que, no fundo, todos experimentamos no dia a dia.

“Hoje, mais que nunca, o público está absolutamente inserido na cadeia produtiva do audiovisual”, prossegue o pesquisador. “O audiovisual está totalmente ligado ao mercado de bens e serviços. Até porque, se eu consumo vídeos no meu celular, isso impacta no meu plano de dados. Não à toa, a Apple oferece três meses gratuitos de Apple TV+ na compra de um iPhone.”

Curi cita também o exemplo da Prime Video, que, ao produzir a série Os Anéis do Poder, reaqueceu a venda dos livros O Senhor dos Anéis. Na Amazon, as primeiras edições de livros de J. R. R. Tolkien a aparecer na busca são as que trazem uma nova capa, baseada na série.

A busca também leva a anéis e outros objetos para fãs. No fim de semana de estreia, os produtos entregues pela Prime vinham em uma caixa com propaganda da série. Isso, sem falar no mobiliá­rio urbano – ocupado, nas grandes cidades, por anúncios da Amazon e da Netflix.

O que fica claro é que, ao mesmo tempo que os catálogos de filmes e séries são importantes para variadas empresas, eles são apenas mais uma dentre muitas formas de um negócio se diferenciar. Nesse cenário, uma das funções da regulação talvez seja, dentre outras coisas, permitir que o “consumidor” seja entendido e tratado também como público e espectador. •

Publicado na edição n° 1286 de CartaCapital, em 22 de novembro de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Caçadores de atenção’

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