Cultura

Brasil, coma-o ou deixe-o

O brasileiro tornou-se exigente. Raras são as marmitas sem espuma de feijão-preto e manjar de couve

O camarada foi à loucura ao deparar com um dos pratos que nos colocam no Olimpo da gastrô: salsicha com molho de tomate, cebola e arroz branco. Ilustração: Ricardo Papp
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Pego carona no Refô anterior porque, de verdade, ler que o Ferran proclamou que o Brasil será a maior potência gastronômica em futuro breve me deixou bem impressionado.

Ele, Ferran, certamente conhece a nossa culinária em profundidade. Além do quê, imagino, deva passar 11 meses por ano degustando nossas maravilhas, entre as quais as formigas amazônicas, que nunca faltam no prato de um brasileiro médio.

Esse brasileiro médio que foi sendo lapidado pela mídia ao longo das últimas décadas tornou-se um comedor muito exigente. Primeiro sinal: dentro dos ônibus ou no metrô é raro ver alguém que não esteja lendo um exemplar da revista The Restaurant, a primeira a reconhecer o talento de alguns de nossos chefs.

Refeitório de empresas é outro ponto de referência. Tendo a oportunidade e pedindo licença ao marmitante, dê uma olhada. Quer apostar quantos quilos de bumbum de formiga que a maioria já abraçou a cozinha molecular? Muitos substituíram aquela garrafa térmica que poderia levar café ou mesmo uma canja por um sifão e fazem na hora sua espuma de feijão-preto para acompanhar um manjar de couve com emulsão de cateto orgânico precoce e politizado.

Todavia, vim a saber de fontes muito confiáveis e descoladas que o que levou o camarada à total loucura e o fez mergulhar numa viagem alucinada de mudança total no pensar e no fazer gastronômico foi quando ele deparou com um dos pratos que certamente nos colocam no Olimpo da gastrô: salsicha de pele grossa com molho de tomate e cebola e arroz branco.

Aos que dizem que exagero, dou um exemplo real sem poder citar nomes. Resumão da história: “Temos aqui em nossa cidade (uma cidade pequena, conhecida, ao lado de São Paulo) um shopping ao ar livre, tendência mundial etc. e tal. E temos, estrategicamente localizado, um dos nossos orgulhos: o barzinho X!”

“Que bacana”, reagiu o meu amigo que ganha a vida como chef. “E como eu posso ajudar?”


Explicaram a ele que o barzinho precisava de “uns toques”. Era quase um sucesso. “Muito bem”, disse ele. “Vamos provar a comida e descobrir onde podemos melhorar.”

O couvert era composto de folhas de alface com rodelas grossas de salame, rodelas de cebola crua, azeitonas pretas com caroço. E essa rara obra de criativo capricho culinário se fez acompanhar de fatias de pão, pão nosso de cada dia, com bromato, bem lambuzado de maionese. Quem resiste?

Como prato, pediu uma sugestão com peixe. Linguado à Belle Meunière!

Alguém tem algo contra os clássicos? Eu sou pró, apesar de não ter tanta certeza que os proprietários e cozinheiros do local tivessem chegado aos clássicos por opção, depois de terem passado pelas muitas possibilidades gastronômicas que hoje estão à disposição. O risco de eles não terem sido avisados que Ferran aposta todas suas fichas na nossa cozinha, apesar de ser pequeno, existe. E veio o linguado, nadando em águas turvas. Não eram águas. Manteiga? Quase. Margarina!

O que se seguiu foram dois dias praticamente inúteis. Meu amigo tentando mostrar que nem sempre a margarina substitui a manteiga; como fazer um caldo base de frango, de carne, de peixe e encontrando pela frente caras amarradas que diziam: “Quer dizer que cubinho de caldo joga no lixo junto com o Sazon e com a margarina?” E entendam a dificuldade de meu amigo quando jogaram na cara dele que o Alex Atala usava caldinho industrial.

Repito: ao lado de São Paulo, a menos de 50 minutos de São Paulo. Ferran deve ter passado por lá. Deve ter ido adiante e conhecido nossos filés à parmigiana que sustentam uma família de africanos famintos por mais de seis meses.

E, para fechar, ele deve ter lido em primeiríssima mão o livro Pizza do Faustão, de autoria do próprio Fausto Silva e de Massimo Ferrari. Entre muitas pérolas, Massimo concebeu uma pizza com salsicha, batatas chips e mostarda.

Ou seja: diante disso e de muito mais disso, o chef espanhol, visionário que sempre foi, viu aqui o futuro da gastronomia.

Pego carona no Refô anterior porque, de verdade, ler que o Ferran proclamou que o Brasil será a maior potência gastronômica em futuro breve me deixou bem impressionado.

Ele, Ferran, certamente conhece a nossa culinária em profundidade. Além do quê, imagino, deva passar 11 meses por ano degustando nossas maravilhas, entre as quais as formigas amazônicas, que nunca faltam no prato de um brasileiro médio.

Esse brasileiro médio que foi sendo lapidado pela mídia ao longo das últimas décadas tornou-se um comedor muito exigente. Primeiro sinal: dentro dos ônibus ou no metrô é raro ver alguém que não esteja lendo um exemplar da revista The Restaurant, a primeira a reconhecer o talento de alguns de nossos chefs.

Refeitório de empresas é outro ponto de referência. Tendo a oportunidade e pedindo licença ao marmitante, dê uma olhada. Quer apostar quantos quilos de bumbum de formiga que a maioria já abraçou a cozinha molecular? Muitos substituíram aquela garrafa térmica que poderia levar café ou mesmo uma canja por um sifão e fazem na hora sua espuma de feijão-preto para acompanhar um manjar de couve com emulsão de cateto orgânico precoce e politizado.

Todavia, vim a saber de fontes muito confiáveis e descoladas que o que levou o camarada à total loucura e o fez mergulhar numa viagem alucinada de mudança total no pensar e no fazer gastronômico foi quando ele deparou com um dos pratos que certamente nos colocam no Olimpo da gastrô: salsicha de pele grossa com molho de tomate e cebola e arroz branco.

Aos que dizem que exagero, dou um exemplo real sem poder citar nomes. Resumão da história: “Temos aqui em nossa cidade (uma cidade pequena, conhecida, ao lado de São Paulo) um shopping ao ar livre, tendência mundial etc. e tal. E temos, estrategicamente localizado, um dos nossos orgulhos: o barzinho X!”

“Que bacana”, reagiu o meu amigo que ganha a vida como chef. “E como eu posso ajudar?”


Explicaram a ele que o barzinho precisava de “uns toques”. Era quase um sucesso. “Muito bem”, disse ele. “Vamos provar a comida e descobrir onde podemos melhorar.”

O couvert era composto de folhas de alface com rodelas grossas de salame, rodelas de cebola crua, azeitonas pretas com caroço. E essa rara obra de criativo capricho culinário se fez acompanhar de fatias de pão, pão nosso de cada dia, com bromato, bem lambuzado de maionese. Quem resiste?

Como prato, pediu uma sugestão com peixe. Linguado à Belle Meunière!

Alguém tem algo contra os clássicos? Eu sou pró, apesar de não ter tanta certeza que os proprietários e cozinheiros do local tivessem chegado aos clássicos por opção, depois de terem passado pelas muitas possibilidades gastronômicas que hoje estão à disposição. O risco de eles não terem sido avisados que Ferran aposta todas suas fichas na nossa cozinha, apesar de ser pequeno, existe. E veio o linguado, nadando em águas turvas. Não eram águas. Manteiga? Quase. Margarina!

O que se seguiu foram dois dias praticamente inúteis. Meu amigo tentando mostrar que nem sempre a margarina substitui a manteiga; como fazer um caldo base de frango, de carne, de peixe e encontrando pela frente caras amarradas que diziam: “Quer dizer que cubinho de caldo joga no lixo junto com o Sazon e com a margarina?” E entendam a dificuldade de meu amigo quando jogaram na cara dele que o Alex Atala usava caldinho industrial.

Repito: ao lado de São Paulo, a menos de 50 minutos de São Paulo. Ferran deve ter passado por lá. Deve ter ido adiante e conhecido nossos filés à parmigiana que sustentam uma família de africanos famintos por mais de seis meses.

E, para fechar, ele deve ter lido em primeiríssima mão o livro Pizza do Faustão, de autoria do próprio Fausto Silva e de Massimo Ferrari. Entre muitas pérolas, Massimo concebeu uma pizza com salsicha, batatas chips e mostarda.

Ou seja: diante disso e de muito mais disso, o chef espanhol, visionário que sempre foi, viu aqui o futuro da gastronomia.

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