Bolinha revela

Ao longo de um governo conduzido com empáfia criminosa, ­Fernando Henrique Cardoso permitiu-se erros colossais, além de ter quebrado o Brasil três vezes seguidas. Figuram com destaque a compra de votos no Congresso, para promover em seu benefício a emenda constitucional da reeleição, e a privatização da Embratel, a permitir a entrega da televisão e da internet ao capital estrangeiro.

Vale entender que a tevê é instrumento de democracia para governos responsáveis, como se dá na Europa, onde existem televisões de Estado chamadas a controlar as demais, a determinar as regras e fiscalizar seu cumprimento, a vigorarem em todas as emissões. Tivéssemos adotado o modelo europeu, não sofreríamos a invasão de uma certa Claro TV+, a cuidar dos seus interesses em lugar dos nossos.

Surge em cena a figura prepotente de Carlos Slim, magnata mexicano dado a aventuras deste gênero. Sobra para nós um ­prejuízo de invulgar entidade provocado pela atrabiliária atuação de quem é capaz de produzir um programa chamado energicamente História para contar as visitas de alienígenas ao nosso planeta. Se bem entendemos, visitas frequentes e muito profícuas para os progressos do ser humano, realizadas a bordo de óvnis a riscarem o céu ou a mergulharem nos oceanos para ressurgirem à tona e terrificar pescadores de diversas nacionalidades.

Mas a tentativa de imbecilizar a plateia não para por aí. Na grade de programação da famigerada Claro desaparecem alguns dos melhores apresentados antes, enquanto outros, transmitidos na língua original, perderam abruptamente as legendas na convicção, quem sabe, de que a simples audiência da língua inglesa, pronunciada com sotaque de Oxford por importantes atores, é de agrado dos ouvidos nativos.

Falou e disse – Imagem: Editora Abril

E no outro dia assisti, no canal Film & Arts, a um episódio transmitido há mais de um ano, a incluir no enredo personagens que em seguida entregaram suas almas ao Criador. A própria Claro TV+ cuida de boicotar seus melhores programas. Além do Film & Arts, chegam até o ­Eurochannel. Agora, as legendas para produções da BBC, das televisões tcheca, sueca, italiana e outras europeias apresentam-se semiapagadas ou francamente omitidas.

Literalmente, na nossa casa, na sala de estar, onde campeia a poltrona preferida, a Claro TV+ manda impunemente, interrompe a transmissão quando bem entende, coloca propaganda própria e cuida da sua autopromoção com a colaboração de duas figuras caricatas de falas idiotizantes, para manchar as nossas noites com súbitas crises de mau humor.

Para melhor esclarecimento dos amáveis leitores, faltou informar nesta mesma programação que a revista Bolinha revelou que o diretor de redação de CartaCapital comandou a primeira expedição marciana ao planeta. De fato, ali se lia que um certo Mino era o líder providencial. Hoje, ele, que então trajava uma espécie de escafandro, não confirma, mas também não desmente. Admite apenas ter nascido na Lua. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1231 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Bolinha revela”