Cultura

As novas e delicadas vozes do samba

O gênero se renova com intérpretes afinadas e de bom repertório

Elisa Gudin (Foto: Divulgação)
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No início da década passada, quando o samba vivia um ciclo de alta, um punhado de cantoras surgiu a partir das rodas que se espalhavam pelas grandes cidades. Anos depois, muitas delas escolheram cantar músicas incluídas no estilo MPB, de mais fácil aceitação no mercado.

Nesse tempo, o samba nunca deixou, porém, de atrair jovens intérpretes. Em São Paulo, com palcos e bares dispostos a manter viva a batucada, ou mesmo por ação exclusiva de abnegados, o sistema de renovação do gênero se manteve.

Hoje, uma geração de cantoras vem se destacando em rodas e apresentações. É o caso de Bruna Volpi, Flávia Oliveira, Elisa Gudin e Lua Cristina.

Essas cantoras têm seus trabalhos visíveis quase que exclusivamente na internet, mas fortalecem uma característica da música brasileira de formar marcantes intérpretes mulheres apaixonadas por samba.

Bruna Volpi, 34 anos, tem formação no Conservatório de Tatuí, uma das principais escolas de música do País. Em 2013, lançou CD de canções inéditas, ressaltando vários ritmos brasileiros, com ênfase no samba.

Três anos depois apresentou outro trabalho, o álbum “Noutra Roda de Samba”. Em maio do ano passado, foi a vez do ótimo disco “Contrariando a Regra”.

“Minha percepção é que o samba está em ascensão, de dois anos para cá. Muitas cantoras estão até voltando a cantar samba”, afirma Bruna, nascida em Campinas (SP).

Ela exalta o gênero, mas afirma que interpretá-lo não é para qualquer um: “É preciso respeito a sua linguagem, a história, conhecer os compositores das rodas, do movimento que fala da rua, para fazer com propriedade”.

A cantora defende causas por meio do samba – prática, aliás, crescente no meio musical nos anos recentes. “Sempre me posicionei. Não consigo desassociar”, cita.

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No último disco tomou partido em duas músicas de temas muito atuais: violência contra a mulher (chamou uma dezena de cantoras para participar com ela da gravação) e o racismo – “Covardia” e “Arte da Melancolia”, ambas do compositor Adriano César, são os nomes das duas faixas.

Nos últimos meses Bruna tem sido vista com frequência em casas de samba na capital paulista. No interior do Estado ela já está bem acostumada a subir nos palcos.

Flávia Oliveira, 37 anos, é uma paulistana radicada em Florianópolis (SC). Compõe desde a adolescência. Flávia pegou o ciclo de alta do samba na virada do século, mas se manteve firme e forte no gênero, se apresentando em rodas de samba e, mais para frente, em palcos tradicionais de música.

Lançou seu primeiro disco solo “Semente do Samba” em 2012 onde interpreta vários compositores populares – só a faixa-título é de sua autoria.

De lá para cá, escreveu musical infantil e desenvolveu projetos de educação e pesquisa universitária. Esse ano lança seu segundo disco solo, com composições suas, o “Desabrocha Cabrocha”.

Ainda em 2019 apresentará o EP “Crônicas Urbanas Sambadas”. “São crônicas musicadas minhas”, diz.

Flávia comanda ainda o grupo “Samba Rendado”, de Florianópolis, que desenvolve hoje trabalho sobre a obra do compositor Nilson da Bera. “Encontramos neste humilde cidadão do planalto catarinense (local improvável para encontrar sambistas) uma sensibilidade extrema e uma qualidade de composição aliada à simplicidade e graça”, ressalta.

Dessa descoberta sairá um disco, que está em campanha de financiamento coletivo.

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Com envolvimento também em vários projetos em torno de sambistas consagrados, Flávia circula bem entre compositores e músicos do samba paulista. “Sou fascinada por esse mundo, por seus personagens e histórias”, conta.

Elisa Gudin, 29 anos, canta desde os seis anos e participou de alguns projetos e gravações, principalmente com o compositor Eduardo Gudin, seu pai. Embora paulistana, vive hoje no Rio.

“Fui procurando um pouco mais da cultura de rua, não somente em relação ao samba, pois São Paulo tem muito também. O Rio foi sempre muito forte, ver um samba na esquina, ir ao Salgueiro”, diz. Segundo ela, esses “encontros” cariocas ajudam a construir sua música.

A cantora mantém um duo com o músico Rafael Schimidt. “Ele foi criado com intuito de proporcionar uma amplitude entre violão (7 cordas) e voz”, afirma.

Mas a novidade é a gravação de um EP de um dos maiores compositores de samba de todos os tempos: Elton Medeiros. O registro em formato digital deve sair em abril.

Elisa tem profunda admiração por Elton. “A forma como batuca na caixinha de fósforo, o chapéu, a forma que canta. Suas melodias difíceis e requintadas e que não perdem a conversa com a rua me deixam encantada”, diz.

Quando está em São Paulo, a cantora costuma baixar nas clássicas rodas do cinquentenário Bar do Alemão na Avenida Antártica.

Lua Cristina, 24 anos, é de Apucarana (PR). Canta desde dos 12 anos. Chegou em São Paulo em 2015 e foi logo para as rodas de samba autorais, onde só entra samba de quem participa do projeto, como a do Terreiro de Compositores.

“Comecei a tocar em roda aqui. Na cidade que eu vivia não tem. Vi nesses espaços a oportunidade de expressar minha voz”, relata. Voz que a fez ganhar no final do ano passado o título de melhor intérprete de um festival de samba realizado em Campinas.

A jovem cantora paranaense garante que esse ano sai seu primeiro CD. E exalta as rodas de samba como elemento de construção de “laços fortes” e do “trato humano”, que ela já aprendeu a circular com desenvoltura.

“O samba é construído por mulheres, nem sempre artistas, mas que permitem que aquilo tudo aconteça”, destaca ela essa verdade do gênero – basta lembrar as grandes tias, como a Ciata.

Embora não fosse cantora nem compositora, tornou-se decisiva para o surgimento do samba carioca pelos encontros de cultura negra por ela promovidos há um século.

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