Cultura
Apresentamos Aaron Sorkin
Roteirista celebridade, o autor de ‘West Wing’ e ‘A Rede Social’ volta ao teatro com um texto sobre o racismo
Aaron Sorkin, de 60 anos, é um dos raros roteiristas que podem ser considerados nomes familiares do público em geral. Tendo começado no teatro, na década de 1980, o ex-ator entrou para o cinema a partir da adaptação de uma peça de sua autoria, Questão de Honra, de 1992.
Seus trabalhos subsequentes incluem filmes como Meu Querido Presidente (1995), A Rede Social (2010), pelo qual ganhou um Oscar, e Steve Jobs (2015). Ele também escreveu quatro programas de tevê, com destaque para West Wing: Nos Bastidores do Poder (1999-2006), vencedor do Emmy, e dirigiu três longas-metragens, aí incluídos Os Sete de Chicago (2020) e Apresentando os Ricardos (2021).
No mês passado, Sorkin voltou ao teatro com uma nova versão de O Sol É para Todos, de Harper Lee. A peça estreou na Broadway em 2018 e deveria, em 2020, chegar à Inglaterra. A Covid-19 fez com que só agora isso fosse possível. Sucesso instantâneo, a montagem tem ingressos esgotados até junho.
The Observer: Você adaptou O Sol É para Todos antes do assassinato de George Floyd e dos protestos Vidas Negras Importam. Ficou tentado a mexer nele depois?
Aaron Sorkin: Não, porque sinto que o texto é tão relevante quanto era quando a peça estreou. Ela já trata dessas coisas. Mudei uma palavra. No livro, Tom Robinson é baleado 17 vezes por guardas da prisão. Achei isso difícil de acreditar, então fiz com que atirassem nele cinco vezes. Depois de tudo o que aconteceu, entendi que 17 não era um número tão alto e voltei a ele.
TO: Você teve de pensar duas vezes para o personagem Bob Ewell usar a palavra “negro”?
AS: Estamos tentando dramatizar a crueldade e a severidade do racismo na década de 1930. Mudar essa palavra para que fosse mais palatável para o público de hoje seria errado e desnecessário. As pessoas podem lidar com isso. Ao escrever Bob Ewell, fui ajudado por um dos sites mais horríveis de todos os tempos: o Breitbart. Se você for à seção de comentários, verá o racismo no nível de Bob Ewell – não em 1937, mas hoje. Então, quase todas as frases que saem da boca de Bob Ewell foram escritas por um comentarista do Breitbart.
TO: O Sol É para Todos é um livro clássico e um filme amado. Você hesitou antes de aceitar o trabalho?
AS: Quando me convidaram, pensei que era uma missão suicida. O que eu poderia fazer além de torná-lo menor do que era? Mas eu disse sim, porque adoro fazer peças. Meu primeiro rascunho foi terrível, pois tentei embrulhar o livro em plástico-bolha e transferi-lo delicadamente para o palco. Era como um álbum de grandes sucessos de uma banda de covers. Comecei tudo de novo. Você tem de se apaixonar pelo material original e tentar torná-lo seu.
TO: Com que rapidez você sabe se um projeto vai funcionar?
AS: Eu não sei imediatamente. Alguém me disse, certa vez, em um almoço, que alguns amigos íntimos de Mark Zuckerberg o haviam processado em centenas de milhões de dólares. Pude ver depoimentos conflitantes e uma história (A Rede Social) saindo desse ponto de partida. Mas o que acontece mais frequentemente é que eu aceito e depois digo: “Meu Deus, não tenho ideia do que seja o filme!”
“Nós, roteiristas, escrevemos sobre pessoas que são mais legais, mais fortes e melhores lutadoras do que nós mesmos”
TO: Por exemplo?
AS: Steve Jobs. Eu não gostaria de escrever uma cinebiografia, porque é difícil abandonar o formato conhecido, do berço ao túmulo. Mas então alguém me disse que, pouco antes do grande lançamento do Macintosh original, algo não funcionava e Steve Jobs estava enlouquecendo, fazendo as pessoas consertarem. Eu pensei: “Ok, não escreverei uma biografia”. Basta ter três cenas ocorridas antes do lançamento de um produto.
TO: A Rede Social foi lançado em 2010. Uma sequência teria de focar em algo além de Mark Zuckerberg?
AS: Acho que sim. Tenho falado com Frances Haugen, a denunciante do Facebook. Quando ela me diz: “Aaron, é com isso que uma insurreição se parece quando você tem 130 bilhões de dólares”, acho interessante. Duvido que eu ou qualquer outra pessoa vá escrever uma sequência de A Rede Social. Mas há uma história lá.
TO: Vemos, de West Wing a Steve Jobs, que você é fascinado por pessoas hipercompetentes e hiperarticuladas. Por quê?
AS: Nós, roteiristas, escrevemos sobre pessoas que são mais legais, mais fortes e melhores lutadoras do que nós mesmos. Eu escrevo sobre pessoas que são mais inteligentes que eu. Acho que combina com meu estilo de texto, que é romântico e idealista. Me impressiono com dramaturgos como Pinter ou Mamet, que escrevem personagens com muita dificuldade para se comunicar, mas não tenho essa capacidade.
TO: A licença dos dramaturgos para remixar cronologia e inventar cenas em histórias baseadas na vida real pode ser polêmica. Quais são suas regras autoimpostas?
AS: Isso vai parecer algo que um vendedor ambulante poderia dizer, mas não estou tentando enganar ninguém. Há uma diferença entre uma fotografia e uma pintura. Há uma diferença entre arte e jornalismo. Às vezes, a precisão atrapalha a verdade.
Estilo. Os longas-metragens A Rede Social (à esq.) e Apresentando os Ricardos (abaixo) e a série West Wing trazem personagens hiperarticulados – Imagem: NBC, Amazon Prime Video e Columbia Pictures
TO: Houve um certo alvoroço no Twitter sobre a escolha inautêntica de Javier Bardem para Apresentando os Ricardos. Como você lida com a polêmica?
AS: Em termos de precisão no elenco, é um absurdo total. Sabemos a diferença entre ser degradante e não ser degradante. Sabemos a diferença entre, digamos, blackface e um espanhol interpretando um cubano. Como você lida com o barulho? Não lida. Não discuto com as pessoas online. Na verdade, não tenho rede social. Devemos ignorá-las.
TO: Você, recentemente, defendeu a estrela da (série) Succession, Jeremy Strong, quando ele foi ridicularizado por sua intensidade em um perfil na New Yorker. Esse tipo de compromisso já foi comemorado em vez de ser ridicularizado…
AS: O que é estranho para mim é as pessoas opinarem sobre qualquer coisa e sobre tudo aquilo que não tem nada a ver com suas vidas. Eu sabia que o que estava acontecendo perturbava bastante Jeremy. Como emprestei minha voz à reportagem e acho que contribuí para a percepção de que ele estava maluco, achei que devia tentar esclarecer algumas coisas. Mas, sim, houve um tempo em que as coisas que Marlon Brando ou Daniel Day-Lewis faziam eram comemoradas.
TO: Olhando para trás, em relação a quais projetos você é mais crítico?
AS: Nunca escrevi nada que não desejasse voltar e reescrever. The Newsroom foi a série que mais me deu trabalho. Eu tinha um elenco dos sonhos, uma equipe de estrelas atrás das câmeras e um enorme apoio da HBO. Eu escrevia algumas cenas muito boas, mas tinha dificuldade para montar um episódio inteiro. Nunca me senti confortável na minha cadeira.
TO: Onde um idealista procura sinais animadores na política americana?
AS: É muito mais fácil encontrar sinais aterrorizantes do que animadores, hoje. Mas há pessoas fazendo 18 anos todos os dias. Talvez elas sejam a cavalaria.
“Duvido que eu ou qualquer outra pessoa escreva uma sequência de A Rede Social. Mas há uma história lá”
TO: O que você admira na televisão?
AS: Muita coisa. Não consigo parar de assistir The Crown, Succession… Muita gente me implorou para eu assistir Bojack Horseman, e acho um trabalho de gênio.
TO: Você tem um novo projeto neste momento?
AS: Pela primeira vez em muito tempo, não. Não sei o que vou fazer a seguir. Como escritor, quando você não tem uma ideia, não pensa assim: “Bem, você já esteve nesta situação e sempre deu certo”. É impossível imaginar que vai ter uma ideia.
TO: Seus dois últimos filmes foram lançados em plataformas de streaming. Você acha que ainda há espaço nos cinemas para filmes “cabeça”, de orçamento médio, como O Homem Que Mudou o Jogo e Jogos do Poder?
AS: Você quer dizer (um filme que) não é Homem-Aranha nem Batman? As pessoas vão voltar aos cinemas para assistir a um filme meu? Não é apenas o meu texto que é idealista e otimista. Sou grato ao streaming, que nos manteve empregados na pandemia, mas tenho de acreditar que todos amamos tanto a experiência do público que vamos voltar aos cinemas. •
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves .
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1206 DE CARTACAPITAL, EM 4 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Apresentamos Aaron Sorkin”
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