Augusto Diniz | Música brasileira

Jornalista há 25 anos, Augusto Diniz foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

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Antonio Nóbrega: ‘Falar de cultura com densidade já é resistência hoje’

Multiartista prepara livro em que discute a existência de uma única unidade da cultura popular no País em vez de várias raízes

Foto: Divulgação
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A cantoria de viola no sertão do Pajeú, que abrange municípios da Paraíba e de Pernambuco, é conhecida na região. É por lá que está nesta virada de ano o músico e pesquisador Antonio Nóbrega. O multiartista foi descansar e recolher mais informações para um livro que pretende lançar neste ano em que discute uma unidade existente da cultura popular no País.

Ele conta de um embate histórico de cantoria entre os poetas Inácio da Catingueira e Francisco Romano, na cidade de Patos (PB), nos anos 1870. Inácio, um negro não alforriado, trabalhava em um engenho e costumava participar de peleja com pandeiro. Já Francisco Romano usava sua viola.

“A poesia dos cantadores de viola criou modalidades”, destaca Nobrega. “O que era poesia escrita se tornou poesia ligada às cantorias e improvisos dos cantadores”. Essas cantorias têm o repente como a designação mais conhecida.

Antonio Nóbrega comemora 70 anos de vida em 2022 e um novo trabalho musical está em desenvolvimento para marcar a data.

O Quinteto Armorial, surgido no contexto do Movimento Armorial, idealizado por Ariano Suassuna, completa 50 anos. Foi nesse grupo que Nóbrega começou sua carreira artística. O som do Quinteto propunha o diálogo da sonoridade da cultura popular com o erudito do ocidente.

O artista acha que o Movimento ficou restrito a discussões regionais ao longo do tempo. “Ariano era polêmico. Ele era muito radical em certas considerações e isso provocou reserva ao movimento”, afirma.

Além disso, o Instituto Brincante, um centro de ensino de cultura popular brasileira criado por ele na capital paulista, onde vive, faz 30 anos de existência.

Na Pancada do Ganzá

A obra de Antonio Nóbrega tem forte relação com a Semana de 22, que completa 100 anos. O multiartista tem Mário de Andrade, o maior irradiador das ideias do evento de 1922, como referência e o seu álbum Na Pancada do Ganzá (1996) é um nome originário dos registros que o modernista fez de seu trabalho de pesquisa no Norte-Nordeste.

Ainda sobre o lançamento do livro, previsto para o meio do ano, Nóbrega adianta o título da obra: BrasisBrasil. A reflexão que faz no livro sobre a cultura popular tenta romper algumas crenças.

Ele lembra que muitos portugueses que vieram para o Brasil viviam a margem da sociedade e são responsáveis pela construção junto com o negro e o índio de uma obra cultural mestiça.

“Não é o mundo cultural português da classe dominante, que se misturou com a cultura dos indígenas e negros, e daí criou-se a cultura popular brasileira. Mas sim de portugueses degradados e aventureiros, a maioria do norte de Portugal, que traz folia de reis, fandango, chula, dança de São Gonçalo, quadrinha (trova), o catolicismo popular – esse português é preciso ser visto de forma diferente na história”, ressalta.

Seguindo com as reflexões a serem expostas no livro, Nóbrega comenta que a cultura popular brasileira tem uma diversidade dentro de uma unidade.

“Comecei a pensar sobre conceitos que precisam de reparo. Por exemplo: O Brasil tem várias culturas populares ou uma só? O Brasil é um país multicultural? Acho que a gente não tem várias culturas populares, mas uma única cultura popular com diversidade, mas com uma unidade”, afirma.

“O tambor de crioula no Maranhão, por exemplo, tem músicos tocando tambores com as mãos, mulheres dançando. Na dança tem a umbigada. A música é constituída de cantos sincopados e os cantos são escritos em quadrinhas (formado por quatro versos)”, cita.

“Esses elementos estão presentes no carimbó, no batuque paulista, no coco de roda pernambucano e no jongo do Rio de Janeiro. Os elementos que dão unidade a essa manifestação são maiores do que aqueles que o diferenciam. São elementos que se configuram em todo Brasil com pequenas diferenças regionais”.

Outro exemplo, de acordo com Nóbrega: “O bumba meu boi do Maranhão, em Santa Catarina tem o nome de boi do mamão. Já no Rio Grande do Sul, chama-se boizinho, e na Zona da Mata pernambucana tem o nome de cavalo marinho. Eles têm mais elementos em comum do que elementos que o diferenciam. Eu digo que existe uma unidade com uma diversidade regional”.

Com relação ao momento, ele afirma que o Brasil vive uma situação esdrúxula: “Falar de cultura com certa densidade é um ato de resistência hoje no País”.

Nóbrega ainda critica a dimensão folclórica dada à cultura popular. “É preciso estudá-la mais a fundo. A potência é grande. É preciso incorporá-la à cultura e não como algo folclórico, para turista ver. A visão turística é até depreciativa”, finaliza.

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